São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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TRAGÉDIA NA RÚSSIA

Grupos de direitos humanos, especialistas e parentes de reféns pedem detalhes sobre tipo de gás usado

Aumentam críticas a Putin por ação russa

DA REDAÇÃO

Um dia depois do que inicialmente parecia uma operação bem-sucedida de liberação de centenas de pessoas presas por terroristas tchetchenos em um teatro de Moscou, aumentavam as críticas ao governo russo por causa do número de vítimas e da forma como elas morreram.
O chefe do Comitê de Saúde de Moscou, Andrei Seltsovsky, disse que o gás usado para tentar controlar os sequestradores matou ao menos 116 reféns. Apenas uma pessoa morreu a tiros.
Médicos russos ainda não sabiam o nome do gás utilizado na ação, e não havia sido divulgada uma lista oficial de mortos. Os poucos reféns aos quais jornalistas tiveram acesso disseram que não se lembravam de nada. Haviam perdido a consciência e acordado em um hospital.
Judith Arena, porta-voz da organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional pediu uma investigação independente para revelar detalhes do gás utilizado durante a operação que pôs fim ao sequestro no teatro.
Após relatos iniciais de que entre dez e vinte reféns haviam morrido, cresciam as críticas conforme o número de vítimas aumentava.
Logo após o fim do sequestro, parentes de ex-reféns passaram a lotar portões dos hospitais de Moscou, desesperados para obter informações sobre o estado deles. Eles criticavam o governo por não revelar o nome do gás usado e seus efeitos, além de dificultar o acesso aos reféns libertados. Ainda havia controvérsias sobre o tipo de gás usado.
O FSB (Serviço Federal de Segurança) se recusou a fornecer informações sobre o gás. Uma das hipóteses é que teria sido o BZ, que faz parte de uma lista de produtos proibidos pela convenção de armas químicas.
O químico Lev Fedorov disse que as equipes médicas e de resgate não tinham preparo para oferecer tratamento aos reféns, o que teria aumentado o número de mortes. Ele sugeriu ainda que as forças especiais russas teriam sido tratadas com um antídoto e que o mesmo antídoto deveria ter sido fornecido aos reféns. "Em vez de perderem tempo levando os reféns para fora do teatro, as equipes de resgate e os médicos deveriam ter usado o antídoto ali mesmo", disse Fedorov.
Médicos em Moscou negaram que existisse um antídoto e disseram que o tratamento fornecido às vítimas tinha boa qualidade.
Outros especialistas russos em armas químicas questionaram o uso de gás naquela situação.
O Kremlin se calou sobre as acusações de que as forças especiais russas que entraram no teatro haviam matado os reféns ao usar um gás tóxico. As autoridades russas disseram apenas que conseguiram salvar a vida de centenas de pessoas e descreveram a ação como uma vitória política do presidente Vladimir Putin, que acompanhou a operação das forças especiais e rejeitou negociar com os terroristas.
Os rebeldes exigiam que Putin declarasse o fim da guerra na Tchetchênia, região separatista praticamente destruída pelas últimas incursões do Exército, e determinasse a retirada russa de uma região qualquer da Tchetchênia como sinal de boa vontade. Se isso fosse comprovado, os sequestradores diziam que libertariam os reféns.
O Kremlin fez apenas uma contra-oferta. Prometeu aos terroristas garantias de vida se os reféns fossem libertados.
O fundador da primeira unidade de contraterrorismo de Israel, Assaf Heffetz, que participou da ação contra os rebeldes tchetchenos, disse que as mortes devido ao uso de gás eram inevitáveis.
"Em operações de resgate como essa, um ou dois mortos entre 12 pessoas é considerado um sucesso. O mesmo pode ser dito de cerca de cem mortes entre 800 pessoas", afirmou Heffetz. "Ao neutralizarem todos ali, os russos adotaram a única alternativa além da rendição."
O presidente russo construiu sua reputação ao deslanchar, em 1999, uma ofensiva contra o separatismo tchetcheno e conseguir colecionar vitórias, com métodos questionados por grupos de direitos humanos, sobre um movimento que desafiava o Kremlin desde a vitória dos rebeldes muçulmanos na guerra contra as forças russas entre 1994 e 1996.
Putin foi duramente criticado porque não quis interromper suas férias para visitar o local do naufrágio do submarino Kursk, em agosto de 2000, e pela imagem de lentidão e indiferença que marcou a atuação presidencial. Na ocasião, seus 118 tripulantes morreram. Já no sequestro de um avião russo na Turquia, em março de 2001, atuou rápido para evitar uma nova avalanche de críticas.
Desta vez, já visitou pacientes nos hospitais e decretou um dia de luto pelas vítimas, mas as críticas continuam a aumentar.


Com agências internacionais

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