São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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MERCOSUL
Governo discute plano para conceder facilidades fiscais a empresas brasileiras instaladas no país vizinho
Brasil planeja investimento no Paraguai

ELIANE CANTANHÊDE
diretora da Sucursal de Brasília

A área econômica discute um plano especial para o Paraguai, com estímulos e facilidades fiscais diferenciados para empresas brasileiras que se instalem naquele país e exportem para o Brasil.
Esse plano bilateral seria além e à parte dos acordos do Mercosul, o bloco comercial que reúne os dois países, além de Argentina e Uruguai.
O Brasil faria concessões ao Paraguai num sentido exatamente oposto ao de sua política econômica. A prioridade brasileira é dar incentivos às exportações. No caso do Paraguai, seria ao contrário: haveria incentivos às importações que vêm das empresas brasileiras instaladas lá.
Esse é o principal resultado de uma constatação feita no Palácio do Planalto, no Itamaraty e na área econômica do governo: como é impossível combater eficazmente o contrabando paraguaio, o Brasil deve tentar neutralizá-lo.
Além disso, a fragilidade política e o processo acelerado de empobrecimento econômico do Paraguai não interessam a nenhum escalão brasileiro.
"Temos que tratar o Paraguai como parceiro preferencial, observando sempre o contexto geopolítico", disse à Folha o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, principal responsável pelo novo plano.
"Os problemas do Paraguai são problemas do Brasil, tal a confluência de interesses e a proximidade dos dois países. Qualquer coisa que o Brasil quisesse fazer contra o Paraguai se voltaria contra o Brasil. Seria um tiro no pé. Então, o melhor é fazer a favor", resumiu.
Em outras áreas do governo, a situação é descrita como "ocupação de território". O Paraguai é visto como um país invadido por produtos chineses e coreanos, que vive apenas da triangulação desses produtos para o Brasil.
Então, que o Brasil também "invada" o país e dispute para valer com os chineses e coreanos, incentivando uma produção local vocacionada para o mercado brasileiro.

Instabilidade
Com 406.752 km2, o Paraguai abriga 5,1 milhões de habitantes e mais de 300 mil brasileiros. Além disso, os dois países dividem a Itaipu Binacional, uma potência hidrelétrica que é a principal empresa paraguaia.
Os interesses, portanto, tornaram-se tão intrincados, tão comuns, que o Paraguai é considerado em setores do governo brasileiro como uma espécie de "apêndice" do Brasil -que se sente responsável por esse "apêndice" e por seu futuro.
Responsável e preocupado, como se diz no Itamaraty, que acompanha atentamente a política interna paraguaia e destaca três problemas simultâneos:
1) a abertura econômica no Brasil e na Argentina teve um enorme impacto na "economia" paraguaia, baseada principalmente no contrabando. Os "sacoleiros" perderam boa parte de sua clientela, depois que brasileiros e argentinos conseguiram maior liberdade para comprar produtos estrangeiros;
2) o presidente Luis González Macchi foi considerado "conveniente" no primeiro momento da vacância de poder, com o assassinato do vice-presidente Luis María Argaña, em março deste ano, e a renúncia do presidente Raúl Cubas Grau (que se asilou no Brasil). Macchi, entretanto, não tem legitimidade nem estatura política para comandar um processo complexo como o paraguaio;
3) a crise militar estava latente desde 1996, com a tentativa de golpe liderada pelo general Lino Oviedo (então comandante das Forças Armadas, hoje asilado na Argentina). Agora, essa crise começa a ganhar contornos mais nítidos.
A falta de rumos para a economia está sendo atacada pelo Brasil na forma de investimentos, financiamentos e projetos de cooperação técnica no país vizinho -para a produção de soja, por exemplo. Essa aproximação será fortalecida com o plano em estudos na área de Everardo Maciel.
No caso político, a diplomacia brasileira unificou o discurso e não cansa de repetir que não interfere em questões internas, mas não faz outra coisa há anos. O problema é que a interferência esbarra nas próprias limitações locais.

Legitimidade
Foram convocadas eleições para agosto de 2000, como tentativa de contornar a falta de legitimidade de Macchi, que era presidente do Congresso e assumiu a Presidência da República como segundo na linha de sucessão. Ninguém acredita muito, porém, que as eleições mudem muito as coisas.
O Partido Colorado, que manda no país há mais de 50 anos e continua sendo o mais forte, não tem unidade, não tem líderes, não tem proposta. Assim, deve ganhar a eleição, mas manter a grande incógnita política interna.
Além disso, as eleições foram convocadas para eleger o vice-presidente (no lugar de Argaña, que foi assassinado), o que cria a seguinte situação esdrúxula: o vice-presidente, eleito por voto direto, terá mais legitimidade do que o próprio presidente, que assumiu em situação extraordinária. Quem fica na Presidência?
Enquanto isso, os militares paraguaios estão subdivididos em vários grupos antagônicos. Os "oviedistas" foram transferidos para a reserva a partir de 1996, pelo então presidente Juan Carlos Wasmosy, mas continuam tendo influência sobre as Forças Armadas.
Oviedo está fora do país, condenado a dez anos de prisão pela tentativa de golpe contra Wasmosy e suspeito de participação na morte do vice Argaña, mas ele continua sendo o principal fantasma do Paraguai. É o político com maior popularidade e ainda tem uma certa liderança nos setores militares.
Para o Brasil, a demissão de comandantes militares e a prisão de 14 oficiais, na semana passada, quando circularam rumores de uma tentativa de golpe, ainda não caracterizam uma crise.
Macchi justificou que eles estariam sendo insubordinados e espalhando boatos da volta do general Oviedo.
O episódio é reduzido no Itamaraty a "estripulias" e a "guerra de nervos" de majores e capitães. Num país que viveu 35 anos sob uma ditadura militar, entretanto, isso não é pouco.


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