São Paulo, sábado, 29 de julho de 2006

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Cozinheira e escritor brasileiros decidem continuar em Beirute

"Tenho mais medo de Belo Horizonte pelos assaltos", diz Hermenegilda Naym

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE

Mais de 1.400 já deixaram o Líbano para escapar da guerra, mas o número de brasileiros que não pensam em sair é muito maior. Um deles é o escritor Roberto Kathlab, que mora no país desde 1986, onde é casado e tem dois filhos. As lembranças da guerra civil -que Roberto viveu na Beirute dividida da década de 80- ainda estão frescas na memória.
"Virei funcionário da embaixada brasileira porque, como brasileiro, podia cruzar as barricadas que dividiam a cidade", conta Roberto, que não é descendente de libaneses e parou no país na contramão da corrente migratória tradicional. "Fiz o caminho inverso: vim para cá e me naturalizei libanês."
Autor de uma biografia do presidente Lula em árabe que está na segunda edição, além de outros dez livros publicados em português, Roberto não pensou em deixar o país devido à crise atual. O escritor tem vida estabelecida no Líbano, é pesquisador da Universidade Notre Dame e têm dois filhos (ambos com nacionalidade brasileira).
"Vou continuar aqui na esperança de dias de paz", diz ele, que, depois de tantos anos no país, ainda se impressiona com suas divisões.
"Quando um libanês pergunta o seu nome é em primeiro lugar para saber a sua origem. Se o nome não disser, o sobrenome denuncia. A religião aqui é o motor de tudo."

Coxinhas e rissoles
A mineira Hermenegilda Abdul Naym acabou no Líbano por caminhos totalmente diferentes, mas tem em comum com Roberto o desejo de ficar. Chegou há 13 anos para trabalhar como cozinheira de uma família brasileira, mas acabou casando com o motorista egípcio Mohamed, dono dos dois nomes que ela acrescentou ao seu, e hoje é conhecida na cidade pelos salgadinhos que faz por encomenda.
"Libanês é louco por coxinha. Mas também adora rissole e empadinha", diz a mineira de Ponte Nova, que, após oito anos de casamento, ainda se comunica com Mohamed por gestos e algumas poucas palavras.
"Não falo árabe e ele não fala português, mas nos entendemos. Deve ser porque ele adora a minha comida. Só quer saber de pratos brasileiros: feijão, bife à milanesa, estrogonofe...", diz ela, que não vê problemas na falta de um idioma comum com o marido.
Um dos segredos é evitar "falar" de política. Mohamed lutou contra Israel na Guerra do Yom Kippur, em 1973, da qual guarda até hoje uma cicatriz feita a bala na perna direita. O egípcio faz cara feia quando a mulher fala do fascínio pela Terra Santa. "Meu sonho é conhecer Israel e aqueles lugares históricos que a gente ouve desde criança. E admiro os judeus. Eles são verdadeiros."
Gilda, como é conhecida, mora com Mohamed em um dos prédios do qual ele é zelador, perto da praia de Beirute. A situação do Líbano não a assusta. "Tenho muito mais medo de Belo Horizonte, por causa dos assaltos. Aqui ando tranqüila, ninguém me incomoda."
Na mesma Beirute vive Faysal Sayegh, que nasceu no Rio em 1961, mas mudou-se para o Líbano com os país sete anos depois. Eleito deputado nas últimas eleições parlamentares pela Assembléia Democrática, bloco político do líder druso Walid Jumblatt, ele lamenta as mortes civis e os prejuízos, mas está otimista.
"Acho que estamos prestes a ver uma virada nesta crise, com a declaração do presidente Bush de apoio a uma força internacional", diz Faysal, que entre 1996 e 2004 foi governador do sul do Líbano, região onde está ocorrendo a maioria dos ataques israelenses. "Acho que essa é uma oportunidade de resolvermos todos os problemas pendentes e desarmar todas as facções. Acho que o Líbano sairá mais forte e mais unido desta crise."


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