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Cozinheira e escritor brasileiros decidem continuar em Beirute
"Tenho mais medo de Belo Horizonte pelos assaltos", diz Hermenegilda Naym
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A BEIRUTE
Mais de 1.400 já deixaram o
Líbano para escapar da guerra,
mas o número de brasileiros
que não pensam em sair é muito maior. Um deles é o escritor
Roberto Kathlab, que mora no
país desde 1986, onde é casado
e tem dois filhos. As lembranças da guerra civil -que Roberto viveu na Beirute dividida da
década de 80- ainda estão frescas na memória.
"Virei funcionário da embaixada brasileira porque, como
brasileiro, podia cruzar as barricadas que dividiam a cidade",
conta Roberto, que não é descendente de libaneses e parou
no país na contramão da corrente migratória tradicional.
"Fiz o caminho inverso: vim para cá e me naturalizei libanês."
Autor de uma biografia do
presidente Lula em árabe que
está na segunda edição, além de
outros dez livros publicados em
português, Roberto não pensou
em deixar o país devido à crise
atual. O escritor tem vida estabelecida no Líbano, é pesquisador da Universidade Notre Dame e têm dois filhos (ambos
com nacionalidade brasileira).
"Vou continuar aqui na esperança de dias de paz", diz ele,
que, depois de tantos anos no
país, ainda se impressiona com
suas divisões.
"Quando um libanês pergunta o seu nome é em primeiro lugar para saber a sua origem. Se
o nome não disser, o sobrenome denuncia. A religião aqui é o
motor de tudo."
Coxinhas e rissoles
A mineira Hermenegilda Abdul Naym acabou no Líbano
por caminhos totalmente diferentes, mas tem em comum
com Roberto o desejo de ficar.
Chegou há 13 anos para trabalhar como cozinheira de uma
família brasileira, mas acabou
casando com o motorista egípcio Mohamed, dono dos dois
nomes que ela acrescentou ao
seu, e hoje é conhecida na cidade pelos salgadinhos que faz
por encomenda.
"Libanês é louco por coxinha.
Mas também adora rissole e
empadinha", diz a mineira de
Ponte Nova, que, após oito anos
de casamento, ainda se comunica com Mohamed por gestos
e algumas poucas palavras.
"Não falo árabe e ele não fala
português, mas nos entendemos. Deve ser porque ele adora
a minha comida. Só quer saber
de pratos brasileiros: feijão, bife à milanesa, estrogonofe...",
diz ela, que não vê problemas
na falta de um idioma comum
com o marido.
Um dos segredos é evitar "falar" de política. Mohamed lutou contra Israel na Guerra do
Yom Kippur, em 1973, da qual
guarda até hoje uma cicatriz
feita a bala na perna direita. O
egípcio faz cara feia quando a
mulher fala do fascínio pela
Terra Santa. "Meu sonho é conhecer Israel e aqueles lugares
históricos que a gente ouve desde criança. E admiro os judeus.
Eles são verdadeiros."
Gilda, como é conhecida, mora com Mohamed em um dos
prédios do qual ele é zelador,
perto da praia de Beirute. A situação do Líbano não a assusta.
"Tenho muito mais medo de
Belo Horizonte, por causa dos
assaltos. Aqui ando tranqüila,
ninguém me incomoda."
Na mesma Beirute vive Faysal Sayegh, que nasceu no Rio
em 1961, mas mudou-se para o
Líbano com os país sete anos
depois. Eleito deputado nas últimas eleições parlamentares
pela Assembléia Democrática,
bloco político do líder druso
Walid Jumblatt, ele lamenta as
mortes civis e os prejuízos, mas
está otimista.
"Acho que estamos prestes a
ver uma virada nesta crise, com
a declaração do presidente
Bush de apoio a uma força internacional", diz Faysal, que
entre 1996 e 2004 foi governador do sul do Líbano, região onde está ocorrendo a maioria dos
ataques israelenses. "Acho que
essa é uma oportunidade de resolvermos todos os problemas
pendentes e desarmar todas as
facções. Acho que o Líbano sairá mais forte e mais unido desta
crise."
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