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"Santos", mineiros são adorados no deserto do Chile
Paralelos com a trajetória de Cristo são comuns entre parentes dos trabalhadores presos no fundo da mina
Bíblias e orações em miniatura são enviadas por meio de sonda para os homens, mas alguns preferem Elvis Presley
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A COPIAPÓ (CHILE)
O pastor Carlos Diaz, 43,
chega ao acampamento Esperanza com uma carga especial de Bíblias em miniatura. Cada livrinho só pode ter
até 8 cm de largura.
É essa a medida do diâmetro da maior das sondas que
está sendo enviada (por um
túnel escavado na montanha) aos 33 mineiros encarcerados desde o dia 5 de
agosto a 700 metros de profundidade, na mina San José.
O pastor encomendou
uma Bíblia para cada um dos
33, deu-se ao trabalho de
usar marcador amarelo fosforescente nas passagens
mais importantes ("aquelas
em que parece que Deus fala
diretamente a respeito das
angústias de viver dentro de
uma caverna fechada"), e entregou-as ao coordenador de
segurança da operação de
resgate, Jorge Sanhueza, gerente de Sustentabilidade da
estatal do cobre do Chile.
Ele encaminhará terra
adentro, até os mineiros, as
"palavras divinas".
As imagens divulgadas
anteontem, feitas dentro da
caverna em que os 33 mineiros estão presos, mostraram-os com os olhos brilhantes,
sofridos, barbados, enfraquecidos, magros, despojados de tudo -até da luz física. "Quase santos."
"Jesus também teve seu retiro de iluminação espiritual
dentro de uma caverna",
lembra Diaz, capelão da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
O Chile usa só uma palavra
para se referir à sobrevivência de todos os 33 mineiros
desaparecidos no dia 5 (e
sem nenhum ferimento, diga-se): "milagre". E o número 33 apareceu com um signo
de bem-aventurança: era essa a idade de Cristo ao cumprir seu desígnio divino.
Notou-se que o número 33
também apareceu no total de
letras da primeira mensagem
enviada à superfície pelos soterrados, no dia 22: "Estamos
bien en el refúgio, los 33". No
original, são 33 caracteres
contando os espaços. Bingo!
ESPERANÇA
Não faltam profetas, santos, orações. Já nos primeiros
dias da formação do acampamento Esperanza, quando
ainda não se sabia se os homens estariam vivos sob a
terra, uma estátua de Santo
Expedito, 1,60 m de altura,
capacete vermelho de mineiro na cabeça, surgiu para decorar o refeitório.
O acampamento Esperanza foi a forma que os parentes
dos mineiros encontraram
para juntos pressionarem as
autoridades. Não demorou, e
chegou uma imagem de Nossa Senhora da Candelária,
"mãe dos mineiros e do povo
do Atacama". Pequenos altares familiares se instalaram
por todo o acampamento.
Na tenda ocupada pela imprensa internacional, todos
os dias, às 18h, acendem-se
velas sob uma imagem de
Cristo e da Virgem Maria.
Santo, entretanto, para o
eletromecânico Edison Peña,
34, só Elvis Presley. Fanático
pelo cantor de "Love me Tender", Peña é um dos mineiros
confinados. Ele não sabe
uma só palavra de inglês.
"Mas isso não o impede de
cantar tudo de Elvis, ele recria o inglês do seu jeito", diz
o tio, Oscar Peña, 68.
Desempregado na capital,
Peña topou ir trabalhar na
San José há seis meses. Logo,
percebeu que a mina estava
para desabar. Pediu as contas e voltou para Santiago. Ficou um mês. "Dobraram o salário dele [para os R$ 1.400
atuais], e ele voltou para a
mina", lembra o tio.
No Chile, nenhuma outra
profissão remunera tão bem
operários semiescolarizados. "É o dobro do que ganha
um operário tão desqualificado quanto, mas em outro
ramo de atividade", conta a
mãe de um dos soterrados.
"O que eles remuneram é a
coragem", explica.
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