São Paulo, terça-feira, 29 de outubro de 2002

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Terror esvazia crítica à ação de Putin

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, buscará agora reiterar sua identidade de objetivo com seu colega americano, George W. Bush -"pôr fim ao terrorismo que ameaça a segurança nacional"-, porém uma linha tênue o separa de (mais) uma condenação internacional por violação aos direitos humanos, segundo analistas ouvidos pela Folha.
"Desde os atentados 11 de setembro, Putin dá um forte apoio ao combate liderado pelos EUA, deixando claro que a insurgência que enfrenta na Tchetchênia é uma ameaça similar à que pesa sobre os EUA, afirmou Ole Holsti, co-autor de "Unity and Disintegration in International Alliances" (unidade e desintegração em alianças internacionais).
"Assim, Putin dirá que há terrorismo em Nova York, em Bali, em Moscou etc., o que exige ações firmes. Com isso, conseguirá "legitimar" a guerra na Tchetchênia. Washington, por sua vez, precisa do apoio russo em outras áreas, como um eventual ataque ao Iraque, e não deverá expressar grande oposição à ação de Moscou."
Internacionalmente, o trágico desfecho da tomada de reféns em Moscou deverá, de acordo com os analistas, "confirmar opiniões que já existiam". "Aqueles que já eram favoráveis à ação russa na república separatista dirão que atos terroristas como o ocorrido em Moscou provam que Putin não pode dialogar com os rebeldes", apontou Andrew Bennett, especialista em Rússia da Universidade de Georgetown (EUA).
"Os críticos de Putin, sobretudo na Europa, afirmarão que se trata de mais uma prova de que o governo russo é extremamente violento com os tchetchenos e exigirão que a comunidade internacional condene o modo como a crise foi resolvida. Afinal, a maioria das pessoas morreu por causa do gás usado pelas forças de segurança russas", acrescentou.
Portanto, se for demonstrado que o gás não poderia ser utilizado da forma como foi ou se ficar patente que houve negligência oficial, pois, por razões de segurança, nenhum antídoto foi dado às vítimas da ação do gás, a administração da crise poderá tornar-se bem mais difícil para Putin.
"Se vários dos mais de cem feridos que ainda estão hospitalizados morrerem e se for descoberto que um gás muito forte foi utilizado em Moscou, a comunidade internacional deverá reagir mais duramente. Na verdade, moralmente, a ação russa foi condenável. Porém, na prática, as grandes potências, sobretudo os EUA, têm outros interesses", avaliou Holsti.
Assim, tudo indica que, se não ficar claro que uma substância tóxica "condenável" foi empregada pelas forças de segurança russas, Putin poderá manter-se irredutível em sua oposição a um diálogo com os tchetchenos moderados. Mas, se decidir endurecer a ação na Tchetchênia, ele apenas dará mais "motivos" aos insurretos.
"Infelizmente, a tomada de reféns poderá acarretar um retrocesso. Há pouco tempo, Putin até admitiu que nem todos os rebeldes são terroristas, alterando dramaticamente sua posição anterior. Porém, após os eventos em Moscou, a tendência é que ele evite dialogar. E, sem diálogo com os moderados, não há solução para o conflito", analisou Bennett.



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