São Paulo, sexta-feira, 29 de outubro de 2004

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Em encontro presenciado pela Folha, Arafat estava entusiasmado

FABIO ZANINI
FREE LANCE PARA A FOLHA

Em 6 de agosto, menos de três meses antes de sua crise de saúde, Iasser Arafat recebeu um grupo de cerca de 70 visitantes, metade estrangeiros e metade palestinos, para uma conversa de uma hora e meia no que ele descreveu como sua "prisão", em Ramallah.
Bem-humorado e bem disposto, contou piadas, distribuiu fotos e autógrafos. Mas também falou em tom solene sobre a própria morte. "Sinto uma certa culpa, uma certa vergonha por estar vivo, quando tantos companheiros perderam a vida ao longo dos anos e tantos palestinos continuam a ser assassinados diariamente", afirmou na reunião, presenciada pelo repórter da Folha, que acompanhava uma ONG britânica que agendou o encontro.
Nada na aparência de Arafat sugeria que menos de três meses depois ele estaria à beira da morte. Ao entrar na sala lotada, cumprimentou um a um os visitantes: os homens com um aperto de mão, as mulheres com um beijo na mão. O ritual demorou 15 minutos. Arafat mostrava um leve tremor no lábio inferior, mas seu aperto de mão era firme.
O encontro deveria durar 30 minutos. Durou o triplo disso, avançando ate perto das 21h30, em grande parte por causa do líder palestino, entusiasmado.
Após as formalidades, Arafat iniciou um verborrágico discurso contra a ocupação israelense, falando sem parar por mais de meia hora. Atacou o "genocídio" contra o povo palestino. Falou da "humilhação" durante décadas. Defendeu-se da acusação de ter rejeitado uma generosa proposta israelense em 2001, dizendo que tal oferta nunca foi feita.
E disse ter certeza de que voltaria a rezar no Domo da Rocha, local sagrado para os muçulmanos em Jerusalém, que seria capital de um futuro Estado palestino.
Arafat falava em inglês fluente, mas às vezes pedia ajuda a dois assessores sentados a seu lado com alguma palavra mais difícil. Policiais palestinos guardavam a sala e a entrada do prédio, semidestruído por bombardeios israelenses em 2002. Na parede, havia uma enorme foto de Jerusalém oriental. O líder havia completado 75 anos dois dias antes.
Mostrou um cartão de parabéns que recebeu de simpatizantes europeus. Nele, uma charge mostrava a imagem bíblica dos três reis magos perseguindo a estrela de Belém, mas, com o caminho bloqueado pelo muro que os israelenses constroem junto aos territórios palestinos (Belém, local onde, segundo a tradição, nasceu Jesus, fica na Cisjordânia). Arafat fez o cartão rodar entre os visitantes e caiu na gargalhada.
No final, teve ânimo para tirar fotos individualmente com cada um. Mas antes respondeu à última pergunta: até quando ele pretendia liderar os palestinos? Não seria hora de nomear um sucessor? Na reposta, nova referência à sua morte: "Serei presidente até o dia que Deus me chamar".


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