|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O IMPÉRIO VOTA - ON THE ROAD
Na cidade de Indio, no meio de uma reserva indígena, descendentes de povos nativos exploram jogos de azar sem ter de pagar imposto estadual
Na próxima terça-feira, eleitor da Califórnia terá de se decidir sobre quase cem propostas, como a que institui fundo para pesquisa de células-tronco
|
No deserto, um programa que os índios não querem ver acabar
SÉRGIO DÁVILA
EM INDIO (CALIFÓRNIA)
Indio, no meio do deserto californiano, tem talvez o nome mais
redundante e ao mesmo tempo
mais apropriado para uma cidade
desde que a paulista Praia Grande
foi batizada. Foi fundada por índios, fica no meio de uma reserva
indígena e é controlada por índios. Mais especificamente os cabazon, da nação cahuilla, descendentes do chefe Cabazon, assim
batizado pelos conquistadores espanhóis, seus inimigos.
O inimigo dos cabazon hoje é o
governo estadual, de Arnold
Schwarzenegger. Nas eleições de
terça-feira, além de presidente e
outros cargos eletivos, o californiano terá de votar em 16 propostas governamentais, que vão de se
a polícia deve manter um arquivo
com o DNA de todas as pessoas
que forem presas à criação de um
fundo estadual de fomento à pesquisa com células-tronco.
Entre elas está a Proposta 70. Incluída na cédula pelo lobby indígena, mantém a isenção do imposto estadual para nações de índios que exploram o jogo em suas
terras e aumenta o jogo de azar
permitido. Hoje roletas são proibidas, por exemplo -mesmo assim, só os cassinos tribais californianos geram um volume anual
de até US$ 6 bilhões. O governador é contra, acha que todas as
empresas devem pagar imposto;
não é o que querem os cabazon.
Nos últimos dias, um comitê
pró-jogo indígena colocou no ar
nas emissoras locais comercial
exaltando vantagens da proposta
também para não-índios. Quem
estrela é a atriz decadente Stefanie
Powers, conhecida dos trintões e
quarentões como a mulher do
"Casal 20". Batizada Stefania Zofia Federkiewicz, é figura freqüente na vizinha Palm Springs e se diz
"amiga dos índios". "Por séculos
roubamos tudo o que eles tinham.
Por que não os deixamos prosperar um pouco?"
E prosperar é o que eles fazem,
conforme atesta o movimento do
Fantasy Springs nesta manhã. Esse cassino é a jóia de Indio -bem,
a competição não é tão forte. Tirando um badalado festival na vizinha Coachella, a cidade é conhecida por seu concurso anual de tamales, espécie de pamonha mexicana, só que salgada. Plantado na
beira da rodovia Interestadual 10,
não tem mais vagas no estacionamento, a maioria dos freqüentadores, de presumíveis aposentados, fazia uma fezinha matinal
nos caça-níqueis e até numa concorrida mesa de pôquer com
aposta de US$ 300.
É o caso de Lou, veterano de
guerra que não dá sobrenome
nem idade nem se deixa fotografar. Vestido à Unabomber, não
votou ainda, mas tende a escolher
Bush "pelo que está fazendo no
Iraque. Não sei se Kerry teria a
mesma força". Sabe da Proposta
70? "Não tenho idéia, você abre a
cédula e tem um monte de opções." São quase cem itens que o
eleitor tem de escolher na Califórnia, no que os críticos do processo
chamam de "democratice".
Posição diferente tem Odilia
Bocanegra, 57, moradora da região desde os 14 anos. "Se é bom
para os índios e para os cassinos...", diz. A aposentada é uma
das centenas de milhares de pessoas que votaram antecipadamente nestas eleições -requisitaram a cédula pelo correio,
preencheram e despacharam.
"Escolhi Kerry, porque o outro só
cuida dos ricos, mas não me lembro das propostas. Eram tantas."
Última pizza
De volta à estrada, uma placa
avisa: "Depois daqui, a próxima
chance de comer pizza só em
Phoenix". Passando Indio, é quase só deserto até a capital do Arizona. As placas se tornam cada
vez mais ameaçadoras: último
posto em 100 milhas! E até: "Picanha's Grill - Já provou o legítimo
rodízio brasileiro?"
Califórnia vai ficando para trás.
Os programas de entrevista de rádio deixam de ser francamente
democratas (o último trazia uma
voz imitando George W. Bush dizendo: "O quê? A eleição é terça?
Vai estragar minha pescaria em
Crawford...") e guinam à direita.
Último sinal de que estávamos no
Estado cuja capital cultural é
Hollywood: aqui, a I-10 é rebatizada de Sonny Bono Highway, em
homenagem ao ex-senador e ex-parceiro de Cher. Em que outro
lugar poderia haver o cruzamento
da Sonny Bono Highway com a
Bob Hope Drive, como acontece
em Moreno Valley?
No carro, a voz monocórdica do
Never Lost: "Phoenix está a 419
km". Começo a perder a paciência com meu HAL rodoviário...
A coluna "On the road" volta na edição de domingo.
Texto Anterior: Olhar brasileiro - Vik Muniz: Que saudade das manchas! Próximo Texto: O império vota - Reta final: FBI investiga contratos da Halliburton Índice
|