São Paulo, sábado, 29 de outubro de 2011

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PAUL KRUGMAN

O caminho não percorrido


Vale a pena contemplar o fracasso abjeto de uma doutrina que infligiu sério dano a Europa e EUA

Os mercados estão comemorando o acordo que surgiu em Bruxelas na madrugada da quarta para a quinta. Realmente, diante do que poderia ter acontecido -desacordo total-, o fato de que os líderes europeus tenham concordado quanto a alguma coisa, por menos adequado que o acordo se prove, é um desdobramento positivo.
Mas vale a pena contemplar o quadro mais amplo -o fracasso abjeto de uma doutrina econômica que infligiu sério dano a Europa e EUA.
Essa doutrina pode ser resumida pela afirmação de que, depois de uma crise financeira, os bancos devem ser resgatados e o público tem de pagar por isso. Assim, uma crise causada pela desregulamentação se torna motivo para caminhar ainda mais para a direita; um momento de desemprego em massa não resulta em esforços públicos para criar empregos, mas sim em uma era de austeridade, com cortes de gastos públicos e programas sociais.
A doutrina vem sendo imposta com alegações de que não existe alternativa e que a austeridade fiscal poderia criar empregos. A ideia é que cortar gastos torna empresas e consumidores mais confiantes, o que compensaria o efeito depressivo da redução nos gastos públicos.
Alguns economistas não se deixaram convencer. Um deles se referiu à alegação de que a austeridade teria efeito expansivo como equivalente a acreditar na "fadinha da confiança". Pensando bem, fui eu.
Ainda assim, a doutrina vem se provando muito influente. É defendida pelos republicanos nos EUA e pelo Banco Central Europeu. E, quando David Cameron virou premiê do Reino Unido, imediatamente impôs cortes, decisão elogiada servilmente por muitos sabichões.
Mas agora os resultados podem ser vistos, e a imagem não é bonita. A Grécia foi lançada a uma queda interminável. A economia britânica está estagnada por efeito da austeridade, e a confiança de empresas e consumidores despencou.
Mas há alternativa? Para descobrir, vim à Islândia, para participar de uma conferência sobre um país que agiu de modo diferente.
Se você tem lido relatos sobre a crise, sabe que a Islândia supostamente representa o paradigma de um desastre. Os bancos descontrolados sobrecarregaram o país de dívidas e pareciam ter criado uma situação para que não havia saída.
Mas o desespero tornou impossível um comportamento convencional, e isso permitiu à Islândia violar as regras. Enquanto as demais nações resgataram os bancos e forçaram os cidadãos a arcar com o custo, o país permitiu que eles quebrassem e expandiu sua rede de previdência social. Enquanto os outros tentaram aplacar os investidores internacionais, a Islândia impôs controles temporários de capitais.
E como o país está se saindo? Não evitou danos econômicos graves ou a queda significativa em seu padrão de vida. Mas controlou a alta no desemprego e o sofrimento dos cidadãos mais vulneráveis; a rede de segurança social sobreviveu. A decência básica da sociedade também.
E isso contém uma lição para os demais países. O sofrimento que tantos cidadãos enfrentam é desnecessário. Se o momento envolve dor inacreditável e uma sociedade muito menos solidária, é por escolha. As coisas não precisavam, e continuam não precisando, ser assim.

AMANHÃ EM MUNDO
Clóvis Rossi


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