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NOVA FÉ
Há cada vez mais praticantes de uma das religiões mais difamadas de nossa era
Islamismo ganha mais adeptos entre ocidentais
PAUL VALLELY
do "The Independent"
A história de Kathleen é uma que
gostaríamos de imaginar ser típica. Depois de formar-se enfermeira e parteira, em Dublin, encontrou emprego num hospital no
Egito. Lá conheceu um médico
egípcio, casou-se com ele e tornou-se muçulmana. Conversão por
motivo de casamento. Está dentro
dos limites do que consideramos
"aceitável".
Mas o caso de Kathleen não é representativo. O islamismo é cercado de estereótipos, muitos deles
sem fundamento, e esse é um deles. A história do contingente de
ocidentais que estão se convertendo à religião de Maomé -pequeno, mas em constante expansão-
diz algo a nós todos.
Vivemos numa era de apreensão
coletiva. A incerteza econômica, a
instabilidade no trabalho e a dissolução das famílias submetidas às
pressões do mercado difundem
um sentimento de insegurança. De
alguma maneira estamos cansados
do materialismo e do pensamento
científico que, pouco a pouco, nos
roubaram o senso de mistério e o
significado da vida. Assim, estamos nos acostumando à idéia de
que, em nossos tempos sincréticos, cada vez mais pessoas embarcam numa busca espiritual. Mas o
que é que atrai tantas delas à religião possivelmente mais difamada
de todas em nossos tempos?
Kathleen Roche-Nagi (seu sobrenome é metade irlandês, metade
egípcio, refletindo sua história
pessoal) fazia parte de um grupo
de brancos convertidos ao islamismo que conheci recentemente na
Fundação Islâmica de Markfield,
perto de Leicester.
Batool al-Toma, uma irlandesa
que antigamente se chamava
Mary, conta que a maioria dos
neófitos tem entre 35 e 55 anos de
idade. Com seus traços largos
acentuados pelo "hijab" (véu islâmico que recobre sua cabeça), a
aparência de Batool remete à da
freira que ela pensava se tornar,
quando jovem.
"Muitos já têm filhos crescidos
ou então são viúvos ou divorciados", disse ela. "Ou, ainda, se preocupam seriamente com a decadência da sociedade. Acham que tem
de haver um caminho melhor."
Não existem estatísticas referentes ao número de convertidos no
Reino Unido, mas em Markfield a
média é de 80 novos convertidos
por ano. Eles se interessam pelo islamismo depois de estudar arte,
arquitetura ou línguas islâmicas,
visitar um país muçulmano ou
simplesmente conhecer muçulmanos. "Muito poucas pessoas se
convertem devido ao casamento",
disse Batool.
Os homens que se convertem ao
islamismo vêm de diversos tipos
de passado, mas um elemento comum à maioria das novas muçulmanas é o fato de anteriormente
terem sido católicas. "Fui criada
como católica praticante. Ensinaram-me que qualquer outra religião, fora o catolicismo, era muito
estranha", contou Kathleen Roche-Nagi. "Hoje, porém, constato
que minha prática do islamismo
não é muito diferente do que era
minha prática do catolicismo."
As conversões não podem ser
atribuídas apenas ao anseio por
uma estrutura de teologia e valores
fixos. Vários dos ex-católicos optaram pelo islamismo por estarem
insatisfeitos com as mudanças
promovidas pelo Segundo Concílio Vaticano, cuja autorização para
que as missas fossem realizadas na
língua vernácula, em lugar do latim, simbolizou uma revolução no
modo de interação da igreja com o
mundo moderno.
"Eu me sentia um pouco traída
pelo catolicismo. Os parâmetros
mudaram", disse Batool. "Foi ficando difícil, na religião católica,
definir o que constitui pecado.
Quando eu era criança me ensinaram a jamais mastigar a hóstia e a
tomar muito cuidado para não
deixar que caísse no chão. Depois,
passaram a colocá-la na nossa
mão. As regras viviam mudando.
A religião não deve mudar para
adaptar-se às pessoas. Se ela é a religião revelada por Deus aos homens, somos nós que devemos
mudar para nos adaptar a ela."
Tudo isso nem sempre agrada
aos familiares e amigos, mesmo
que compartilhem o mesmo temperamento religioso conservador.
"Quando eu era menina, queria ser
freira", disse Batool. "Minha mãe
não gostou da idéia -achou que
eu estava me precipitando. Acho
que agora ela se arrepende de ter
sido contra."
A reação de pessoas de fora às vezes é ainda mais problemática, especialmente com relação às mulheres que usam o véu islâmico. A
hostilidade dos brancos se expressa na forma de perguntas agressivas como: "Por que você usa esse
trapo velho na cabeça?".
O véu tem suas vantagens. Batool
recorda que certa vez passou sem
dificuldades por uma barreira policial na Irlanda, apesar de estar
com dois homens muçulmanos no
carro. Os policiais pensaram que
ela era freira do convento local.
Mas a grande maioria da população ainda não aceita a idéia de uma
muçulmana branca. "Quando você adota o véu, as pessoas passam a
falar com você como se fosse surda
ou burra", disse Batool. "Nos tratam como se fôssemos estrangeiras", explicou Sarah.
A raiz dessa reação está na visão
ocidental padronizada do islamismo como fonte de machismo, de
extremismo político e de barbarismo legal.
É uma visão que os brancos convertidos ao islamismo não reconhecem. E eles rechaçam seus três
pontos de acusação principais: misoginia, fundamentalismo e primitivismo jurídico.
"Essa idéia de que o islamismo
reprime as mulheres não passa de
ficção da mídia", disse Kathleen,
em tom de desprezo.
²
Tradução de
Clara Allain
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