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Saiba mais sobre seita milenarista
RODRIGO UCHÔA
especial para a Folha
Nos anos 80, Joseph Kibwetere,
um funcionário público em Mbarara responsável por projetos de
irrigação e antigo mestre-escola
de instituições católicas (religião
de 70% dos ugandenses), disse ter
visto a Virgem Maria. Foi a semente da seita milenarista Movimento pela Restauração dos Dez
Mandamentos de Deus.
Mas a seita tomou impulso
mesmo no final daquela década,
quando uma ex-prostituta, Credonia Mwerinde, anunciou ter tido também uma visão da Virgem
Maria e juntou-se à igreja.
Ela afirmava falar constantemente com a Virgem usando pratos e xícaras como "telefone". Por
fim, convenceu Kibwetere a formar uma sociedade comunal para
esperar o fim do mundo, que se
daria na virada de 2000.
Até um verniz de respeitabilidade foi conseguido quando Dominic Kataribabo, um padre intelectual, popular no país, aderiu.
Seguidores vendiam ou entregavam seus bens para se juntar ao
grupo. Os líderes previam acontecimentos terríveis, como rios de
sangue e guerras fratricidas. Só a
vida simples, sob os dez mandamentos de Deus, os salvaria.
"As comunidades com líderes
messiânicos crescem no Leste
Africano por causa do esgarçamento do tecido social numa área
afetada por guerras genocidas, secas e epidemias monstruosas, entre elas a Aids", afirma Thomas
Kwanyngwere, antropólogo da
Universidade de Nova York.
O antropólogo lembra que as
religiões ali também são usadas
para dar legitimidade a grupos étnicos que buscam poder e posse
de riquezas minerais. "As seitas
são um instrumento político."
Por causa disso, o governo
ugandense vem tomando iniciativas para impor uma ordem centralizada no país.
A polícia de Uganda dissolveu
ao menos duas dessas seitas ano
passado. A alegação era de que
constituíam um perigo para as
comunidades locais e para elas
próprias.
Lutas entre etnias rivais no oeste
de Uganda têm deixado centenas
de mortos e as tentativas de freá-las muitas vezes são desastradas.
Em setembro passado, o Exército
bombardeou um campo em que
duas facções se enfrentavam, matando mais de 300 pessoas.
"A desconfiança em relação ao
governo é enorme, essas seitas
transformam-se em portos seguros", afirma Kwanyngwere.
Nesse ambiente de insegurança
em relação ao Estado, às forças da
natureza e até em relação ao próprio vizinho, qualquer promessa
de vida melhor, mesmo que num
mundo imaterial, é ouvida com
mais atenção.
No caso presente, porém, a confiança desses seguidores parece
ter sido traída. Testemunhas afirmam que Kibweteere, Mwerinde
e Kataribabo fugiram, não estariam entre os corpos achados.
Sugerem que, como o mundo
não acabou dia 31 de dezembro,
muitos queriam ir embora, exigindo de volta o que tinham doado. Fica a suspeita que o suicídio
coletivo, primeira hipótese aventada pela polícia e pela mídia, tenha sido um massacre por motivos bem mais terrenos, dinheiro.
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