São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 2000


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Saiba mais sobre seita milenarista

RODRIGO UCHÔA
especial para a Folha


Nos anos 80, Joseph Kibwetere, um funcionário público em Mbarara responsável por projetos de irrigação e antigo mestre-escola de instituições católicas (religião de 70% dos ugandenses), disse ter visto a Virgem Maria. Foi a semente da seita milenarista Movimento pela Restauração dos Dez Mandamentos de Deus.
Mas a seita tomou impulso mesmo no final daquela década, quando uma ex-prostituta, Credonia Mwerinde, anunciou ter tido também uma visão da Virgem Maria e juntou-se à igreja.
Ela afirmava falar constantemente com a Virgem usando pratos e xícaras como "telefone". Por fim, convenceu Kibwetere a formar uma sociedade comunal para esperar o fim do mundo, que se daria na virada de 2000.
Até um verniz de respeitabilidade foi conseguido quando Dominic Kataribabo, um padre intelectual, popular no país, aderiu.
Seguidores vendiam ou entregavam seus bens para se juntar ao grupo. Os líderes previam acontecimentos terríveis, como rios de sangue e guerras fratricidas. Só a vida simples, sob os dez mandamentos de Deus, os salvaria.
"As comunidades com líderes messiânicos crescem no Leste Africano por causa do esgarçamento do tecido social numa área afetada por guerras genocidas, secas e epidemias monstruosas, entre elas a Aids", afirma Thomas Kwanyngwere, antropólogo da Universidade de Nova York.
O antropólogo lembra que as religiões ali também são usadas para dar legitimidade a grupos étnicos que buscam poder e posse de riquezas minerais. "As seitas são um instrumento político."
Por causa disso, o governo ugandense vem tomando iniciativas para impor uma ordem centralizada no país.
A polícia de Uganda dissolveu ao menos duas dessas seitas ano passado. A alegação era de que constituíam um perigo para as comunidades locais e para elas próprias.
Lutas entre etnias rivais no oeste de Uganda têm deixado centenas de mortos e as tentativas de freá-las muitas vezes são desastradas. Em setembro passado, o Exército bombardeou um campo em que duas facções se enfrentavam, matando mais de 300 pessoas.
"A desconfiança em relação ao governo é enorme, essas seitas transformam-se em portos seguros", afirma Kwanyngwere.
Nesse ambiente de insegurança em relação ao Estado, às forças da natureza e até em relação ao próprio vizinho, qualquer promessa de vida melhor, mesmo que num mundo imaterial, é ouvida com mais atenção.
No caso presente, porém, a confiança desses seguidores parece ter sido traída. Testemunhas afirmam que Kibweteere, Mwerinde e Kataribabo fugiram, não estariam entre os corpos achados.
Sugerem que, como o mundo não acabou dia 31 de dezembro, muitos queriam ir embora, exigindo de volta o que tinham doado. Fica a suspeita que o suicídio coletivo, primeira hipótese aventada pela polícia e pela mídia, tenha sido um massacre por motivos bem mais terrenos, dinheiro.


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