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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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O GENERAL

Tommy Franks, comandante da coalizão, lutou no Vietnã, na Guerra do Golfo, mas fracassou ao deixar Bin Laden escapar do Afeganistão

O senhor da guerra

PETER SPIEGEL
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando raiou o dia em 10 de janeiro de 1968, um pelotão de reconhecimento dos EUA saiu de sua base em Bin Phuoc, uma aldeia no delta do rio Mekong, no Vietnã, em missão de "busca e destruição". Horas depois, os soldados acharam uma série de casamatas, construídas há no máximo um ou dois dias, e placas alertando os moradores de que havia minas ali.
O pelotão destruiu oito das casamatas e pediu ao soldado Gary Parker, o observador avançado de artilharia que os acompanhava, que ordenasse disparos de canhões para destruir eventuais restos de explosivos. O oficial encarregado da direção de tiro era o segundo-tenente Tommy R. Franks, um texano alto que fora enviado a Binh Phuoc apenas alguns meses antes, depois de se formar na escola de oficiais de artilharia em Fort Sill, Oklahoma. "Ele tinha 22 anos, era um rapagão do campo, sempre mascando tabaco", relembra Charlie Taylor.
O tenente Franks ordenou que o primeiro canhão disparasse. O projétil atravessou o telhado de um casebre de camponeses vietnamitas e matou Le Thi Dep, 27, e seus dois filhos, Bui Van Chay, 4, e Bui Van Chan, 12. Mais três crianças saíram feridas.
Uma investigação revelou que não houve erro de Franks. O engano foi do observador avançado.
Hoje, Franks é o general da guerra contra o Iraque. Mas, como muitos oficiais de sua geração, parece ter levado a sério as lições do Vietnã. A principal dentre elas é o impacto que as baixas civis, especialmente as transmitidas para as salas de estar no país de origem, podem ter sobre o apoio interno e internacional a uma guerra.

Country, motos e caçadas
Foi uma ascensão longa e ocasionalmente difícil para o general Franks, dos pântanos do Mekong ao comando de todas as Forças norte-americanas em 25 países do Oriente Médio e da Ásia Central que fazem parte do território coberto pelo Comando Central norte-americano. O general não se formou em uma das poucas academias militares de prestígio, o pináculo das quais é West Point. Em vez disso, fez o curso de treinamento para oficiais, em 1967.
Franks abandonou a Universidade do Texas aos 20 anos para se alistar no Exército como soldado raso. O pai, um mecânico, transferira sua família de Wynnewood, Oklahoma, para Midland, Texas, quando ele era bebê. Sua carreira acadêmica não resultou em grandes distinções, exceto se formar na escola de 2º grau de Midland um ano antes de Laura Welch, que mais tarde se casaria com George W. Bush.
Mais ou menos como o presidente, o general cultiva a imagem de um sujeito simples do Texas, que gosta de música country, caçadas e motocicletas, em lugar dos passatempos intelectuais adotados pelos líderes militares mais novos, como o general John Keane, o favorito para o posto de chefe do Estado-Maior do Exército na próxima promoção. "Keane gosta de ir à ópera", diz um antigo funcionário do Pentágono que trabalhou com os dois. "Tommy Franks não sabe soletrar ópera."
Mas, sob essa aparente falta de pretensão, dizem antigos colegas, residem uma mente aguçada e uma ambição que contradizem o aspecto humilde. "Essa história de "eu sou só um caipira do Texas" não cola", diz o general reformado David Ohle, que trabalhou em estreito contato com Franks.
Quando Saddam Hussein invadiu o Kuait, em 1990, ele fora promovido a general de brigada e estava servindo com a 1ª Divisão de Cavalaria, a insígnia que continua a usar em seu uniforme.
Como subcomandante da 1ª Divisão de Cavalaria, a responsabilidade principal do general eram as manobras da unidade, uma missão fortuita, porque a 1ª Divisão de Cavalaria manobrou muito durante a Guerra do Golfo de 1991, mas se limitou a isso.
As manobras culminaram com o famoso "gancho de esquerda" do general Norman Schwarzkopf, no qual quatro divisões blindadas tomaram o Exército iraquiano de surpresa. "Sun Tzu disse 2.500 anos atrás que um general deveria avançar por rotas inesperadas e atacar os pontos desprotegidos", escreveu mais tarde o general Franks. "Foi o que fizemos. O plano era uma obra-prima."
Mas o feito mais impressionante de Franks veio depois. O general Gordan Sullivan, chefe do Estado-Maior do Exército depois da Guerra do Golfo, escolheu-o para uma missão que considerava crucial para o futuro do Exército: adaptá-lo ao mundo digital. Sullivan compreendeu que a Guerra do Golfo demonstrara que o Exército dos EUA, que se preparara durante 50 anos para uma nova guerra terrestre na Europa, era grande e lento demais para chegar rapidamente aos pontos problemáticos do mundo. Ele queria empregar tecnologias emergentes para tornar o Exército mais rápido, e selecionou um general jovem para a tarefa.
Foi uma escolha estranha. O general Franks é até hoje encarado como membro da velha-guarda do Exército, preso às tradições e às doutrinas da Guerra Fria. Mas aqueles que serviram com ele no período dizem que foi uma escolha perfeita para o posto. "Eles eram pensadores avançados, mas não intelectuais", diz o general Stroup. "Continuavam a ser soldados com lama nas botas."
Franks se tornou bastante conhecido entre os líderes de primeiro escalão da força, ao mantê-los informados sobre o progresso do programa, do qual se saiu muito bem. Depois, a carreira do general disparou.
Quando ele chegou ao Comando Central, o comandante-em-chefe era o general Anthony Zinni, um conhecedor da história islâmica e leitor de poesia.
A despeito dos contrastes, os dois se deram bem, de acordo com a maioria dos relatos. O general Franks aprendeu muito sobre a região e sobre o fato de que o "Cincdom", o apelido dado aos 25 países que estavam na área de interesse do Comando Central, requer tanto um diplomata quanto um guerreiro. Quando o período de Zinni à frente do comando expirou, em 1999, ele recomendou vigorosamente que Franks fosse apontado como seu sucessor.
Quando os dois aviões explodiram o World Trade Center em 11 de setembro de 2001, o general Franks estava dormindo em um hotel em Creta, a caminho do Paquistão. Ao ver o colapso na TV, o general pronunciou três iniciais, UBL, a maneira pela qual o governo se refere a Osama bin Laden.
De lá para cá, o desempenho de Franks à frente do Comando Central tem sido controverso. O general foi selecionado por sua capacidade como comandante de um campo de batalha tradicional. Mas, por insistência de Donald Rumsfeld, o secretário da Defesa, a guerra no Afeganistão e o conflito no Iraque se apóiam no poderio aéreo e uso de forças especiais.
O plano de guerra inicialmente apresentado por Franks a Rumsfeld era parecido com a estratégia da Guerra do Golfo, com quatro ou cinco divisões pesadas do Exército avançando até que Bagdá pudesse ser capturada. Rumsfeld devolveu o plano a Franks duas ou três vezes para revisão.
No papel, as forças agora concentradas contra Saddam -250 mil soldados- se assemelham ao plano original. Mas só há uma divisão pesada do Exército, a 3ª de Infantaria, envolvida na invasão. A única outra unidade blindada pesada presente é a 7ª Brigada Blindada britânica. Os demais soldados são Fuzileiros Navais e Infantaria leve, um grande volume de unidades aéreas e milhares de efetivos das forças especiais.
"O que Rumsfeld e Franks não apreciam um no outro é que eles são uma imagem invertida", diz Loren Thompson, analista militar do Lexington Institute. "Rumsfeld provavelmente acredita que Franks é pouco imaginativo, e Franks provavelmente acredita que Rumsfeld é pouco realista."
Além disso, Rumsfeld tem tratado o Exército liderado por Franks com dureza. O único grande sistema de armas cuja produção o secretário da Defesa cancelou é o Crusader, um veículo blindado de artilharia de 40 toneladas que ele encarava como a epítome do velho e lento Exército.

Fracassos no Afeganistão
A despeito da reputação do general Franks como inovador, as unidades das demais Forças Armadas que servem sob seu comando se queixam de que ele não compreende as capacidades transformadoras dos ataques aéreos de precisão. Pessoas próximas à Força Aérea dizem que não é coincidência que os dois generais da Aeronáutica que ajudaram Franks a dirigir a campanha aérea no Afeganistão tenham sido afastados do Comando Central.
"Muitos dos líderes militares mais importantes no Pentágono, especialmente os da Força Aérea, não têm grande confiança nele [Franks"", disse um oficial reformado. "Os comandantes da Força Aérea estavam muito insatisfeitos no conflito do Afeganistão. Muita gente na Aeronáutica diz que ele perdeu muitos alvos no começo."
Acredita-se que Bin Laden e outros líderes da Al Qaeda tenham escapado de Tora Bora durante o ataque. A outra batalha importante da guerra, a Operação Anaconda, também não obteve sucesso na captura de grandes números de combatentes do Taleban e da Al Qaeda. "Se você estudar Tora Bora e a Operação Anaconda, verá os mesmos líderes tomando decisões agora e naquele fiasco", diz um oficial reformado.
A decisão, no mês passado, de indicar o general John Abizaid, arabista educado em Harvard e visto como um astro em ascensão no Exército, para o posto de subcomandante de Franks foi vista como uma maneira de inserir um oficial de pensamento menos convencional no comando.
Há outras queixas contra Franks. Ele é acusado de violar os procedimentos de segurança ao permitir que sua mulher assistisse a reuniões altamente secretas.

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