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COMENTÁRIO
Comparações apressadas
MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
Primeiro, José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura em 1998,
comparou a ação de Israel nos territórios palestinos à dos nazistas
contra os judeus em Auschwitz.
Agora, o arcebispo anglicano sul-africano Desmond Tutu, Prêmio
Nobel da Paz em 1984, exprime a
sensação de que a conduta israelense assemelha-se à dos brancos
durante o regime de segregação
racial em seu país, entre os anos
40 e 80. Diante da destruição deixada pela passagem dos tanques
israelenses, muitos comentaristas
da atual crise no Oriente Médio
têm cedido à tentação de invocar
atrocidades marcantes do passado para estabelecer a dimensão
desta tragédia do presente. Trata-se de um equívoco.
Esse desvio remete-se ao velho
desejo iluminista de encaixar o
mundo num esquema científico
de previsibilidade da história. De
acordo com essa premissa, é possível, a partir da observação da
natureza e de suas "leis", deduzir
relações de causa e efeito que, em
última análise, satisfazem a necessidade humana de "explicar" o
mundo.
Nessa lógica, o observador toma
um evento, verifica sua natureza
de acordo com os parâmetros
"universais" disponíveis e, matematicamente, o enquadra em um
sistema de pensamento previamente estabelecido, tornando-o
cientificamente inteligível.
Alimenta-se assim a lenda da
história que se repete, porque os
acontecimentos só são compreendidos e aceitos como reais
dentro desse sistema. Como notou Horkheimer na "Dialética do
Esclarecimento", tal procedimento substitui a mistificação religiosa pela mistificação científica: "O
princípio da imanência, a explicação de todo o acontecimento como repetição, que o iluminismo defende contra a imaginação mítica, é o princípio do próprio mito".
A pobreza evidente dos paralelismos, como os que a discussão
sobre o problema do Oriente Médio tem gerado, é antes de tudo
perigosa.
Ao utilizar idéias genéricas para
explicar casos específicos, essa
prática ignora particularidades
contextuais e, em lugar de facilitar
o entendimento real, oferece o
pseudoconhecimento: aquele
que, na ausência do espírito crítico, torna-se a panacéia dos falsos
intelectuais, "pensadores" que
não se vexam de distorcer os documentos para encaixá-los em
suas teorias.
Uma análise honesta dos fatos
implica necessariamente conhecê-los no domínio de suas relações históricas, e não divorciados
delas.
Em outras palavras, estabelecer
paralelos históricos usando-os
como rótulos grosseiros, promovendo a substituição pura e simples do fato pelo que ele aparenta
ser, sugere uma açodada preferência pelo sensacionalismo, em
detrimento da muito mais trabalhosa compreensão elementar da
crise.
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