São Paulo, domingo, 30 de abril de 2006

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ARGENTINA

Para historiador Lawrence Freedman, guerra encerrou a questão

É alienação reacender debate sobre Malvinas, diz britânico

FÁBIO VICTOR
DE LONDRES

Quando a Guerra das Malvinas começou, em 2 de abril de 1982, Lawrence Freedman estava no seu segundo dia como professor de estudos da guerra do tradicional King's College, da Universidade de Londres.
Hoje ele é "sir" (cavaleiro da coroa), vice-diretor da faculdade e a maior sumidade britânica no conflito que opôs Reino Unido e Argentina. No ano passado, lançou o livro "The Official History of the Falklands Campaign" (a história oficial da campanha das Malvinas), em dois volumes -o primeiro sobre as origens da guerra, o segundo com a campanha e seus desdobramentos.
Em 1997, foi apontado pelo premiê Tony Blair como historiador oficial do conflito. Só por esta condição privilegiada é que teve acesso aos arquivos oficiais do período, que por lei estão vedados à divulgação até 2012.
O resultado de suas pesquisas foi apontado por analistas militares britânicos como a obra definitiva da guerra, seja do ponto de vista "técnico" ou histórico.
Com um olhar que dificilmente separa suas condições de britânico e historiador, ele classifica de "alienação" e "abordagem infeliz" o retorno dos argentinos ao tema de reivindicação da soberania das ilhas. Afirma que a reação mundial diante da insistência em reabrir o tema seria desastrosa para os argentinos e sugere que, em vez disso, o país sul-americano pense em propor ao Reino Unido parcerias relacionadas ao território.
Em 1991, Freedman já havia escrito outro livro sobre o conflito, "Signals of the War" (sinais da guerra), em parceria com a argentina Virginia Gamba-Stonehouse. Além destes, é autor de 11 livros de guerra.
 

Folha - O 24º aniversário da Guerra das Malvinas reacendeu nos argentinos o sentimento nacionalista em relação às ilhas e gerou pedidos para que o governo volte a reivindicar a soberania sobre o território. Como o sr. analisa essa tendência, e que conseqüências ela pode ter?
Lawrence Freedman-
Há muito tempo essa é uma questão para a Argentina, mas não há como resolvê-la. Quanto mais eles procurem meios de pressionar os britânicos, é menos provável que tenham uma resposta. Se Argentina tivesse uma posição diferente em 1982, eles hoje poderiam ter a soberania das ilhas [por vias diplomáticas]. Na época havia lá uma população escassa, o Reino Unido não dava apoio econômico, as Malvinas não eram viáveis economicamente. Hoje são.
A Argentina optou pela invasão, houve uma guerra, eles perderam. A guerra em si já resolveu a questão. Não há como fingir que isso não existiu e querer agora discutir a soberania. Não vai acontecer. Não há apelo político para isso no Reino Unido, não há pressão econômica para fazê-lo. Se a Argentina insistir nisso, vai se indispor com a União Européia e outros organismos. Deveria ser realista e buscar maneiras de desenvolver parcerias envolvendo as Malvinas. Porque esse caso sempre foi tratado de uma maneira alienada. É uma abordagem infeliz.

Folha - Foi apenas uma questão de "timing" que fez a Argentina não retomar as ilhas?
Freedman-
A invasão foi uma má idéia sob todos os aspectos.

Folha - Mas o sr. acha mesmo possível que, tão pouco tempo após a guerra, a Argentina discuta parcerias com o Reino Unido em torno das ilhas?
Freedman-
Acho que sempre houve a disposição do Reino Unido de buscar uma boa relação das Malvinas com o continente. É algo que pode acontecer futuramente. Considerando o que houve no passado, claro que haverá limites do que poderá ser feito.

Folha - Como historiador, mais do que como britânico, o sr. considera legítima a reivindicação argentina de soberania?
Freedman-
Se você olhar, pegando como base 1833 [quando o Reino Unido tomou posse das Malvinas, habitadas havia 13 anos por colonos argentinos, expulsando estes], nem britânicos nem argentinos têm direito particular sobre as ilhas. O Reino Unido se baseia no fato de estar há tanto tempo lá, de ter feito assentamentos de seus cidadãos. O fato é que o direito sobre o território não foi, em nenhum dos dois casos, ratificado pela Justiça. Nenhum dos lados jamais foi a qualquer tribunal internacional.

Folha - Por quê?
Freedman-
Eles se baseiam em noções de contigüidade territorial. É nessas mesmas bases que a França pode reclamar as Ilhas do Canal, que o Canadá reivindica as Ilhas Francesas. Mas isso ignora a visão da população local. Acho que um erro da Argentina desde o início é não levar a sério os direitos dessa população, que não quer viver sob o Estado argentino.

Folha - No Reino Unido pouco se fala sobre as Malvinas. Os britânicos desdenham das ilhas e de sua vitória na guerra?
Freedman-
Não, absolutamente, há orgulho pela vitória.

Folha - Mas pouco se fala...
Freedman-
Em parte porque ganhamos, e quando você vence, aquilo lhe preocupa muito menos do que se você perdeu. E em parte porque os argentinos sempre reivindicaram mais as ilhas que os britânicos. Mas não significa que não haja aqui um forte apoio.


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