São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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Unasul só não quebra porque não age

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

De reunião em reunião, a Unasul (União das Nações Sul-Americanas) só consegue demonstrar que está distante de justificar o "União" que abre o seu nome.
Tanto é assim que o comunicado final da cúpula de anteontem em Bariloche produziu uma das mais patéticas platitudes já encontradas em textos diplomáticos de uma região em que obviedades enchem arquivos e arquivos.
Diz o documento que "forças militares estrangeiras não podem (...) ameaçar a soberania e a integridade de qualquer nação sul-americana". Só faltou acrescentar que forças militares estrangeiras não podem ameaçar a soberania de qualquer nação na face da Terra. Ou que é obrigatório que o sol nasça todos os dias.
O pior é que o presidente equatoriano, Rafael Correa, presidente de turno do conglomerado, ainda achou que o documento de Bariloche é "um passo adiante".
Não é passo adiante nem passo atrás. É marcar passo, nada mais, à espera de que uma nova reunião (agora de ministros da Defesa e do Exterior) consiga a quadratura do círculo que seria pôr de acordo a Colômbia e os bolivarianos Venezuela, Bolívia e o próprio Equador em torno da maneira de encarar as relações com os Estados Unidos.
Para a Colômbia, o acordo com os EUA, que já dura dez anos e acaba de ser renovado para dar a militares americanos o direito de usar bases colombianas, é não apenas legítimo como benéfico para a luta contra o narcotráfico e o narcoterrorismo (das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), umbilicalmente ligados.
Para a Venezuela de Hugo Chávez, trata-se, ao contrário, do "cerco do império" à sua revolução bolivariana.
O que complica ainda mais o que já é complicado é o fato de que os dois lados têm argumentos ponderáveis a esgrimir.
O presidente colombiano, Álvaro Uribe, tem razão em se queixar de que seus vizinhos da Unasul não foram além de uma "solidariedade retórica" na guerra ao narcotráfico/terrorismo, ao passo que os Estados Unidos lhe deram apoio "prático" e "efetivo" (os US$ 6 bilhões do Plano Colômbia são bastante "efetivos").
Hugo Chávez tem razão ao dizer que "ainda que os Estados Unidos jurem até no Vaticano que não lançarão ataques a partir da Colômbia contra outros países, não temos nenhum motivo para acreditar".
De fato, desde a intervenção na guerra de independência de Cuba, no finzinho do século 19, até o apoio velado ao efêmero golpe que depôs Chávez, em 2002, dá mais de um século de intervenções na região.
Nesse cenário, tornam-se inócuas as duas propostas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar resolver o impasse: chamar o presidente Barack Obama para dar explicações e exigir "garantias jurídicas" de que o acordo com a Colômbia ficará confinado ao território colombiano.
Afinal, coube a Correa lembrar, após a cúpula de Bariloche, que os Estados Unidos não acataram o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, ao apoiarem o Reino Unido na guerra das Malvinas contra a Argentina, em 1982. "Os países assinam acordos e depois os rompem conforme sua conveniência", disse o presidente equatoriano.
Quanto à reunião Obama/Unasul, é evidente que, ainda que se realize, o presidente dos Estados Unidos não dirá nada, absolutamente nada, de diferente do que Uribe já disse ou do que disse ao próprio Lula Jim Jones, o assessor de Obama para segurança nacional.


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