São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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Doença pode devastar vidas e indústria, afirma autor

IURI DANTAS
DE WASHINGTON

Na melhor das hipóteses, a gripe do frango pode devastar toda a indústria de criação de aves no planeta. Na pior, levar consigo "possivelmente até centenas de milhões de vidas" no caminho. Essa é a visão "cautelosa" elaborada pelo o veterinário Mark Jerome Walters, 52, autor do livro "As Seis Pragas Modernas", que relaciona as doenças com a alteração intencional do ambiente.
Para Walters, um vírus que surgiu a reboque da atividade humana poderá modificar profundamente o modo de viver da geração atual, eliminando boa parte dela durante a transformação. Em entrevista à Folha, ele avalia o eventual impacto do vírus H5N1, diz que tem medo, recomenda o estoque de água, comida e dinheiro e diz que já não é mais possível conter a disseminação da doença.
Leia abaixo alguns trechos.

Folha-O que está em jogo no caso da gripe aviária?
Mark Jerome Walters-
É preciso abordar dois aspectos. O primeiro ponto é a perda de vidas humanas. Vamos avaliar os cenários de melhor e pior caso. O que está em jogo é a perda e a destruição da indústria de frango praticamente em toda parte onde esse vírus for encontrado. Já devastou a indústria em muitas partes da Ásia e está começando na Europa oriental e na Grécia e, inevitavelmente, no resto da Europa, no Reino Unido e em todo o mundo. Esse é provavelmente o melhor cenário. Agora, o que acontecerá se isso virar um vírus humano é a perda de milhões, talvez dezenas de milhões e possivelmente até centenas de milhões de vidas.

Folha- Mas ninguém tem certeza se o vírus terá tal capacidade de mutação.
Jerome-
Certo. Sabemos que teremos outra epidemia de influenza. É como dizer que haverá outro ciclone na Ásia ou um tsunami em qualquer lugar. Não sabemos se o H5N1, da gripe aviária, vai virar uma epidemia, mas a grande maioria dos experts acredita que irá. A questão não é se isso vai se tornar uma epidemia, mas quão ruim vai ser. A pergunta é se vai continuar matando essa enorme porcentagem de pessoas infectadas ou se tornar menos mortal.

Folha- Há chance de surgir uma vacina?
Jerome-
Há alguns remédios no mercado. Tamiflu e Relenza, e ambos parecem ser efetivos em controlar o vírus uma vez que alguém o contraia. O problema é se o vírus se tornar resistente, e essa é uma grande possibilidade. Uma vacina, que seria a única resposta real, vai ser desenvolvida em tempo? Sou pessimista. Se tivermos sorte e esse vírus não se tornar contagioso de pessoa para pessoa em um ano ou dois, então talvez tenhamos uma vacina. Mas o problema é que o vírus muda muito rapidamente. Uma primeira vacina foi desenvolvida quando o H5N1 apareceu pela primeira vez em 1997, em Hong Kong. Mas, em 2003, havia evoluído, e a vacina não funcionava mais.

Folha- Se voltarmos a conversar daqui a dois anos sobre isso, qual será o assunto?
Jerome-
Acho que teremos uma de duas conversas. Sobre como fomos imensamente sortudos de os dois termos sobrevivido, falar sobre familiares que teremos perdido, como sua Redação e a minha universidade estarão mais quietos depois de tantos morrerem. Ou então uma conversa do tipo: "Meu Deus! Que sorte, isso não nos atingiu ainda, o vírus não evoluiu, existe uma vacina".

Folha- E daqui a dez anos?
Jerome-
Desde os anos 80 tivemos mais de 35 doenças novas. E o surgimento delas está se acelerando. HIV, doença da vaca louca... Então acho que estaremos falando sobre muitas outras doenças. Suspeito que o ponto de referência seja a epidemia de influenza, o que aprendemos com ela.
Também vamos ver o ressurgimento de outras. Certamente malária, na América Latina. Historicamente, temos ondas de novas doenças. A primeira aconteceu há 10 mil anos, quando as pessoas começaram a domesticar animais. Estamos agora nesta onda de novas doenças, que pode durar até mil anos. Essas pragas fazem parte da nosso futuro. Quantas pessoas morreram de HIV? Umas 15 milhões? É o que poderia acontecer com o H5N1, em meses.

Folha- O sr. tem medo?
Jerome-
Estou apavorado. Não há nada que possa fazer para impedir. Estou planejando sair menos de casa, ter suprimentos básicos estocados, usar máscaras para algum tipo de proteção, tentar ter algum dinheiro na mão, para evitar bancos, tentar conseguir Tamiflu. Temos de lembrar da ação mais simples que as pessoas podem tomar para evitar doenças no mundo: lavar as mãos.

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