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REVOLUÇÃO AOS 50 / FESTEJOS DISCRETOS
Aperto econômico marca aniversário em Havana
Respostas da população às medidas de combate à comercialização de comida no mercado negro após
três furacões são díspares
FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA
Bandeiras cubanas pelas fachadas e até em algumas ruas
do decadente bairro de Centro
Havana dão a nota discreta de
que a capital já começou as comemorações pelos 50 anos da
revolução vitoriosa em 1º de janeiro de 1959. Na esteira do discurso do dirigente Raúl Castro
no sábado, cobrando mais fiscalização e contenção de gastos, os habitantes da cidade falam do futuro próximo com
mais resignação do que esperança. Esperam para ver.
"Como vejo o aniversário?
Essa situação da economia causa conflitos até na família. Não
quero que americanos venham
mandar aqui. Mas queria mais
intercâmbio. Estivemos no socialismo e resistimos. Mas desse jeito? Parece que estamos no
"caprichismo'", diz Ana, chofer
de uma mototáxi que, enguiçada, a deixou a pé ontem.
O país ainda reage à passagem dos três furacões deste
ano, que devastaram parte da
agricultura no segundo semestre, levando junto 20% do PIB.
À falta de produtos seguiu-se
um esforço de abastecimento e
repressão aos atravessadores,
principalmente de alimentos,
no mercado negro.
A boataria, fonte primeira de
informação na ilha, diz que vários foram presos -inclusive
vendedores de amendoim nas
ruas. Há quem responda com
rancor, há os alegres com que
alguma ordem esteja de volta.
Rancor e alívio
Um dos rancorosos é R., 25,
auxiliar da empresa estatal que
mantém as instalações do centro de negócios de Miramar,
com marcas estrangeiras e supermercados sortidos, na parte
turística de Havana. "O que eu
ganho não dá, então eu vendo
na rua verduras que meu primo
produz. Não roubei de ninguém, mas, se me pegam, sou
preso igualmente", diz.
Já a professora de química
aposentada, Maria, 59, está satisfeita: diferentemente do que
pensou, terá carne de porco na
ceia de Ano Novo. "Especular
com comida não é certo. Queriam me cobrar um absurdo
por cebola. Antes me sentia como Quixote, em busca de alguém para reclamar", conta.
No sábado, Raúl Castro falou
em ajustar expectativas à realidade e de maior fiscalização nas
ruas e repartições, com a criação de um órgão de controladoria ligado ao Conselho de Estado, que ele preside.
Falou também da queixa-mor dos cubanos: a dissociação
entre trabalho e salário com
poder de compra, ocasionada,
entre outras distorções, pela
existência de duas moedas.
Uma é a cubana, que compra alguma comida e o que é subsidiado pelo governo. A outra, os
CUC, ou "chivitos", que valem
25 vezes mais e compram tudo.
"Tenho 59 anos. Dei toda minha energia para a revolução.
Esperava que estivéssemos
mais desenvolvidos hoje", continua Maria, que é neta de espanhóis e estava na fila em frente
à Embaixada da Espanha para
conseguir cidadania. A fila é um
dos pontos de agitação na cidade, devido à chamada "lei dos
netos" espanhola, que beneficia com dupla nacionalidade
descendentes de exilados do
franquismo. Para muitos cubanos, isso significa o direito de ir
e vir do exterior.
"Mas tenho esperança em
Raúl, que tem os pés no chão.
Uma mudança boa foi a Lei de
Previdência", diz ela.
A Assembléia Nacional aumentou em cinco anos a idade
da aposentadoria (de 55 para
60, no caso das mulheres; de 60
a 65, para os homens).
O tom de "pagar para ver" é o
mesmo quando a pergunta é
sobre Barack Obama. Cuba se
aproximará dele? "Não gosto
de política. Sei que existe o bloqueio, mas não sei se o bloqueio
não está aqui dentro", diz Maygel, 25, vigilante e estudante de
piano. O pai, a mãe e o irmão de
Maygel estão nas Canárias, na
Espanha, e ele estava na fila para legalizar a cidadania da mãe
e partir, após finalizar seu curso de música.
Enquanto isso, o som da festa
da revolução é outro: vai do bolero da diva Omara Portuondo
ao reggaton dos jovens cubanos. Portuondo estrelou o primeiro concerto pelos 50 anos
no domingo, num teatro no
bairro de Vedado. Grátis. Ela
cantou acompanhada pelo público -na platéia, o chanceler
Felipe Pérez Roque, um dos
poucos da alta cúpula que nasceram depois de 1959.
No centro da cidade, o som
para os jovens era de Los Intocables, grupo de reggaton que
aparecia no telão cantando o
hit "Motorola", sobre a tentativa de controle da namorada pelo celular. Uma das notas dos
dias pré-aniversário são justamente as filas nas lojas de celular, sonho de acesso dos cubanos liberado neste ano.
Apesar dos preços salgados,
há uma promoção: aparelhos
Nokia que custavam 74 CUC
estão por 60 CUC (R$ 141).
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