São Paulo, terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

REVOLUÇÃO AOS 50 / FESTEJOS DISCRETOS

Aperto econômico marca aniversário em Havana

Respostas da população às medidas de combate à comercialização de comida no mercado negro após três furacões são díspares

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A HAVANA

Bandeiras cubanas pelas fachadas e até em algumas ruas do decadente bairro de Centro Havana dão a nota discreta de que a capital já começou as comemorações pelos 50 anos da revolução vitoriosa em 1º de janeiro de 1959. Na esteira do discurso do dirigente Raúl Castro no sábado, cobrando mais fiscalização e contenção de gastos, os habitantes da cidade falam do futuro próximo com mais resignação do que esperança. Esperam para ver.
"Como vejo o aniversário? Essa situação da economia causa conflitos até na família. Não quero que americanos venham mandar aqui. Mas queria mais intercâmbio. Estivemos no socialismo e resistimos. Mas desse jeito? Parece que estamos no "caprichismo'", diz Ana, chofer de uma mototáxi que, enguiçada, a deixou a pé ontem.
O país ainda reage à passagem dos três furacões deste ano, que devastaram parte da agricultura no segundo semestre, levando junto 20% do PIB. À falta de produtos seguiu-se um esforço de abastecimento e repressão aos atravessadores, principalmente de alimentos, no mercado negro.
A boataria, fonte primeira de informação na ilha, diz que vários foram presos -inclusive vendedores de amendoim nas ruas. Há quem responda com rancor, há os alegres com que alguma ordem esteja de volta.

Rancor e alívio
Um dos rancorosos é R., 25, auxiliar da empresa estatal que mantém as instalações do centro de negócios de Miramar, com marcas estrangeiras e supermercados sortidos, na parte turística de Havana. "O que eu ganho não dá, então eu vendo na rua verduras que meu primo produz. Não roubei de ninguém, mas, se me pegam, sou preso igualmente", diz.
Já a professora de química aposentada, Maria, 59, está satisfeita: diferentemente do que pensou, terá carne de porco na ceia de Ano Novo. "Especular com comida não é certo. Queriam me cobrar um absurdo por cebola. Antes me sentia como Quixote, em busca de alguém para reclamar", conta.
No sábado, Raúl Castro falou em ajustar expectativas à realidade e de maior fiscalização nas ruas e repartições, com a criação de um órgão de controladoria ligado ao Conselho de Estado, que ele preside.
Falou também da queixa-mor dos cubanos: a dissociação entre trabalho e salário com poder de compra, ocasionada, entre outras distorções, pela existência de duas moedas. Uma é a cubana, que compra alguma comida e o que é subsidiado pelo governo. A outra, os CUC, ou "chivitos", que valem 25 vezes mais e compram tudo.
"Tenho 59 anos. Dei toda minha energia para a revolução. Esperava que estivéssemos mais desenvolvidos hoje", continua Maria, que é neta de espanhóis e estava na fila em frente à Embaixada da Espanha para conseguir cidadania. A fila é um dos pontos de agitação na cidade, devido à chamada "lei dos netos" espanhola, que beneficia com dupla nacionalidade descendentes de exilados do franquismo. Para muitos cubanos, isso significa o direito de ir e vir do exterior.
"Mas tenho esperança em Raúl, que tem os pés no chão. Uma mudança boa foi a Lei de Previdência", diz ela.
A Assembléia Nacional aumentou em cinco anos a idade da aposentadoria (de 55 para 60, no caso das mulheres; de 60 a 65, para os homens).
O tom de "pagar para ver" é o mesmo quando a pergunta é sobre Barack Obama. Cuba se aproximará dele? "Não gosto de política. Sei que existe o bloqueio, mas não sei se o bloqueio não está aqui dentro", diz Maygel, 25, vigilante e estudante de piano. O pai, a mãe e o irmão de Maygel estão nas Canárias, na Espanha, e ele estava na fila para legalizar a cidadania da mãe e partir, após finalizar seu curso de música.
Enquanto isso, o som da festa da revolução é outro: vai do bolero da diva Omara Portuondo ao reggaton dos jovens cubanos. Portuondo estrelou o primeiro concerto pelos 50 anos no domingo, num teatro no bairro de Vedado. Grátis. Ela cantou acompanhada pelo público -na platéia, o chanceler Felipe Pérez Roque, um dos poucos da alta cúpula que nasceram depois de 1959.
No centro da cidade, o som para os jovens era de Los Intocables, grupo de reggaton que aparecia no telão cantando o hit "Motorola", sobre a tentativa de controle da namorada pelo celular. Uma das notas dos dias pré-aniversário são justamente as filas nas lojas de celular, sonho de acesso dos cubanos liberado neste ano.
Apesar dos preços salgados, há uma promoção: aparelhos Nokia que custavam 74 CUC estão por 60 CUC (R$ 141).


Texto Anterior: Artigo: Punição de Gaza despreza lições históricas
Próximo Texto: Partido pró-Índia lidera disputa em Bangladesh
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.