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ENTREVISTA
"Princípios não estão à venda", afirma o chanceler sobre eventual punição dos EUA ao país
Brasil não teme represália, diz Amorim
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) respondeu de
forma incisiva e cortante às advertências de que o Brasil foi muito
fundo na condenação à guerra do
Iraque e estaria sujeito a retaliações dos EUA, a maior potência
planetária: "Princípios não estão à
venda", disse o chanceler à Folha.
Depois de ressaltar que não há
nenhum antiamericanismo e antagonismo, ele insinuou: "Que interesse eles teriam em enfraquecer a maior democracia do continente depois deles próprios?"
Amorim, entretanto, não descartou a possibilidade de efeitos
da guerra nas negociações multilaterais e regionais, inclusive para
a formação da Alca (Área de Livre
Comércio das Américas).
Ele falou por telefone de Atenas,
onde participou de reunião da
União Européia com países latino-americanos. Depois irá ao Vaticano, à França e à Rússia.
Folha - O que o sr. vai discutir em
suas conversas em Moscou e Paris
nesta semana?
Celso Amorim - Os esforços diplomáticos não devem cessar
porque as hostilidades começaram. Elas poderão ser úteis, seja
para abreviar o conflito [no Iraque", seja para encontrar as melhores soluções para o pós-guerra,
com a presença da ONU.
Folha - A ONU não está a caminho
do fim com a decisão unilateral dos
EUA de invadir o Iraque?
Amorim - Não. A ONU não acabou nem está acabando. Os próprios EUA nunca disseram que a
ONU acabou, e acho que eles também vão acabar concluindo que a
ONU e o sistema multilateral ainda são a melhor maneira para resolver as questões.
Folha - Mas os EUA puseram em
xeque o multilateralismo, a ONU e
o próprio Conselho de Segurança.
Nada acontece?
Amorim - Não adianta passar o
resto da vida só pensando no que
aconteceu. Nós já dissemos claramente que lamentamos o uso da
força e especialmente que tenha
sido usada sem autorização do
Conselho. Mas isso matou o Conselho de Segurança? Não, não matou. Seria melhor que ele tivesse
sido respeitado, que tivesse havido uma solução pacífica e que,
agora, a guerra durasse o mínimo
possível. Mas é fundamental que
as Nações Unidas continuem a receber apoio dos principais países.
Folha - Por que o Brasil baixou o
tom, depois de ter condenado tão
explicitamente a guerra de Bush?
Amorim - Você quer uma declaração todo dia? Não há silêncio.
Folha - O presidente, numa rápida entrevista, foi muito duro ao
condenar o unilateralismo dos EUA
e essa posição de se arrogarem o
direito de decidir o que é ruim e o
que é bom para o mundo. Houve
problemas?
Amorim - Não. Foi uma declaração num momento muito difícil,
muito dramático, que antecedia a
guerra. Eu mesmo, na Câmara,
também fui muito incisivo, porque era necessário ser incisivo. O
presidente expressou, com palavras claras, fáceis de compreender, a essência do unilateralismo,
que é um país decidir o que é bom
para todos os demais.
Folha - Então, por que, no pronunciamento do presidente na TV,
depois de iniciada a guerra, ele foi
muito mais cauteloso e nem citou
os EUA e o presidente Bush?
Amorim - O pronunciamento na
TV é solene, é um posicionamento do governo brasileiro diante de
um fato que já tinha ocorrido.
Não creio que tenha havido recuo
nenhum.
Folha - E quanto à declaração do
assessor presidencial Marco Aurélio Garcia oferecendo, ou admitindo, asilo a Saddam Hussein?
Amorim - Tenho a impressão de
que o professor Marco Aurélio
Garcia desmentiu a declaração.
- Não foi gravada?
Amorim - Bom, ele desmentiu. O
que posso dizer é que essa possibilidade nunca esteve nas considerações do governo brasileiro,
inclusive por ser desnecessária. Se
o problema fosse asilo, o Saddam
já teria ido para a Arábia Saudita,
para os Emirados Árabes.
Folha - Então, o assessor foi no
mínimo inoportuno?
Amorim - O que você quer que
eu fale? Eu falo sobre políticas,
não comento sobre pessoas.
Folha - Mas ele é assessor do presidente e o que fala repercute dentro e fora do país.
Amorim - Está aí a resposta: esse
tema não esteve em consideração
no governo brasileiro.
Folha - Então, vamos à assessora
de Segurança Nacional do Bush,
Condoleezza Rice. Ela escreveu artigo, publicado pela Folha, dizendo
que cerca de 50 países apoiaram a
guerra, o que corresponde a um
PIB de US$ 22 trilhões e a uma população de 1,2 bilhão de pessoas. O
Brasil está na contramão?
Amorim - Não sei que cálculos
são esses, nem que países foram
incluídos neles. Só sei que nem o
Brasil está na contramão nem estamos contra os EUA. O melhor
amigo não é aquele que concorda
sempre, é o que, compartilhando
os mesmos valores, é capaz de dar
sua própria opinião, de divergir
com franqueza e lealdade, sem
antagonismo. Acho que essa posição é perfeitamente compreendida pelo governo americano.
Folha - E a negociação da Alca?
Amorim - Tem uma mecânica e
uma dinâmica próprias, e estamos dando todos os passos que
temos que dar, olhando mais o aspecto comercial e pragmático. Tenho comentado, mais em tom de
preocupação do que de profecia,
que esse clima de guerra pode ser
desfavorável para negociações
multilaterais. Se isso ocorrer, pode também ter reflexos em negociações regionais, como a Alca.
Mas continuamos a dar os passos
que temos que dar, em função da
análise dos nossos interesses e dos
nossos sócios do Mercosul.
Folha - O Brasil não teme retaliações, inclusive econômicas?
Amorim - Princípios não estão à
venda. Mas não creio que haverá
retaliações. Não creio que seja do
interesse dos EUA. Primeiro, eles
sabem que não há nenhum antiamericanismo, nenhum antagonismo contra eles. E, segundo,
que interesse eles teriam em enfraquecer a maior democracia do
continente depois deles próprios?
Folha -Independentemente de
retaliações ou não, que efeitos a
guerra pode ter sobre o Brasil?
Amorim - Isso depende de muitos fatores, mas concordo com o
que o ministro do Planejamento
[Guido Mantega" disse há pouco
em Milão: o risco-Brasil diminuiu, o dólar desceu, mas ambos
poderiam ter caído mais, não fosse essa situação de incerteza no
mundo, que gera certo nervosismo nos mercados financeiros. O
Brasil foi, provavelmente, o país
em desenvolvimento menos afetado. E o que também poderá afetar, ao mundo inteiro, é uma recessão prolongada.
Folha -E o pós-guerra?
Amorim - A única coisa que se sabe hoje é que o conflito não vai ser
tão curto quanto se imaginou.
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