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80% dependem do "Fome Zero" de Saddam
O que recebe cada iraquiano em
sua cesta básica dada pelo governo graças ao programa da ONU
"Petróleo por Comida": 9 kg de
farinha, 3 kg de arroz, 2 kg de açúcar, meio quilo de lentilha, meio
quilo de leite em pó, 250 gramas
de feijão, 150 gramas de chá, 1 litro
de óleo de cozinha, 4 sabonetes,
350 ml de detergente.
Mais de 80% da população do
país depende desta cesta para viver. Segundo o governo, ela proporciona 2.200 calorias diárias para cada um dos 20 milhões de inscritos no "Fome Zero" local.
Carnes, líquidos e doces ficam
por conta das pessoas.
É fácil o brasileiro se confundir
ao ouvir as palavras mais corriqueiras do árabe. Sim é "naam",
não é "lá", lá é "ronak" e aqui é
"rona". Ronaldo é "Ronaldo"
mesmo, e todo o mundo conhece.
Para os soldados iraquianos,
seus pares norte-americanos são
"kiki", ou meios-homens na gíria
local. Como assim? "Eles comem
chocolate e biscoito no fronte, enquanto nós comemos carne. Eles
têm medo de se machucar, e nós
nos jogamos no fogo se for preciso", nos explica um deles.
Comer carne é sinal de hombridade no Iraque. Principalmente
carne de ovelha. Frango não, frango é comida de mulher.
O vegetarianismo é um conceito
inexplicável ao iraquiano médio.
Ao ver o estrago que uma das
bombas fez numa das sedes da telefônica estatal iraquiana e o barulho que saía de uma das salas,
parecido com o de uma linha ocupada, o jornalista neozelandês Peter Arnett, agora com a NBC,
brincou: "Tem alguém querendo
fazer uma ligação, mas só dá ocupado. Por que será, não?". Ninguém riu.
É cara a vida do jornalista em
Bagdá em tempos de guerra. Gastam-se diariamente US$ 150 com
o motorista e US$ 50 com o guia/
tradutor apontado pelo Ministério da Informação, ambos obrigatórios. E é preciso pagar mais US$
150 por dia ao próprio órgão pela
permissão para trabalhar, US$
300 se tiver fotógrafo, US$ 350 para equipe de TV. Mais US$ 150/dia
se o repórter tiver telefone por satélite. O governo fatura no mínimo US$ 500 por dia por jornalista.
Eles só aceitam pagamento em
dinheiro, e dinheiro do inimigo.
Tem equipe que está aqui há
dois meses, deve mais de US$ 30
mil e não tem como pagar. Em
reunião no sábado, o escritório de
imprensa avisou que não haverá
perdão. E que não há mesmo como mandar dinheiro de fora...
O salário mínimo médio no Iraque é de US$ 30 por mês.
As casas não têm número em
Bagdá. Quer dizer, tem, mas ninguém usa. Você diz assim: "Quero
ir à casa do Mohammed, na rua
Saddam Hussein". Todo mundo
sabe onde é. Se não, diz que sabe e
pergunta quando chegar.
No fim da noite de ontem, rumores davam conta de que um
míssil havia caído num bairro residencial de Bagdá. Em meia hora,
a pequena rua estava inundada de
carros. Alarme falso: um pedaço
da artilharia antiaérea iraquiana
atingira a parede de uma casa.
Vendo o sucesso do vizinho, um
bagdali brincou que faria ele também um buraco na parede de sua
casa. De novo, ninguém riu.
Programação da última madrugada na TV estatal iraquiana: um
acadêmico discutindo os primeiros filmes de Jerry Lewis.
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