UOL


São Paulo, segunda-feira, 31 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

80% dependem do "Fome Zero" de Saddam

O que recebe cada iraquiano em sua cesta básica dada pelo governo graças ao programa da ONU "Petróleo por Comida": 9 kg de farinha, 3 kg de arroz, 2 kg de açúcar, meio quilo de lentilha, meio quilo de leite em pó, 250 gramas de feijão, 150 gramas de chá, 1 litro de óleo de cozinha, 4 sabonetes, 350 ml de detergente.
Mais de 80% da população do país depende desta cesta para viver. Segundo o governo, ela proporciona 2.200 calorias diárias para cada um dos 20 milhões de inscritos no "Fome Zero" local.
Carnes, líquidos e doces ficam por conta das pessoas.
É fácil o brasileiro se confundir ao ouvir as palavras mais corriqueiras do árabe. Sim é "naam", não é "lá", lá é "ronak" e aqui é "rona". Ronaldo é "Ronaldo" mesmo, e todo o mundo conhece.
Para os soldados iraquianos, seus pares norte-americanos são "kiki", ou meios-homens na gíria local. Como assim? "Eles comem chocolate e biscoito no fronte, enquanto nós comemos carne. Eles têm medo de se machucar, e nós nos jogamos no fogo se for preciso", nos explica um deles.
Comer carne é sinal de hombridade no Iraque. Principalmente carne de ovelha. Frango não, frango é comida de mulher.
O vegetarianismo é um conceito inexplicável ao iraquiano médio.
Ao ver o estrago que uma das bombas fez numa das sedes da telefônica estatal iraquiana e o barulho que saía de uma das salas, parecido com o de uma linha ocupada, o jornalista neozelandês Peter Arnett, agora com a NBC, brincou: "Tem alguém querendo fazer uma ligação, mas só dá ocupado. Por que será, não?". Ninguém riu.
É cara a vida do jornalista em Bagdá em tempos de guerra. Gastam-se diariamente US$ 150 com o motorista e US$ 50 com o guia/ tradutor apontado pelo Ministério da Informação, ambos obrigatórios. E é preciso pagar mais US$ 150 por dia ao próprio órgão pela permissão para trabalhar, US$ 300 se tiver fotógrafo, US$ 350 para equipe de TV. Mais US$ 150/dia se o repórter tiver telefone por satélite. O governo fatura no mínimo US$ 500 por dia por jornalista.
Eles só aceitam pagamento em dinheiro, e dinheiro do inimigo.
Tem equipe que está aqui há dois meses, deve mais de US$ 30 mil e não tem como pagar. Em reunião no sábado, o escritório de imprensa avisou que não haverá perdão. E que não há mesmo como mandar dinheiro de fora...
O salário mínimo médio no Iraque é de US$ 30 por mês.
As casas não têm número em Bagdá. Quer dizer, tem, mas ninguém usa. Você diz assim: "Quero ir à casa do Mohammed, na rua Saddam Hussein". Todo mundo sabe onde é. Se não, diz que sabe e pergunta quando chegar.
No fim da noite de ontem, rumores davam conta de que um míssil havia caído num bairro residencial de Bagdá. Em meia hora, a pequena rua estava inundada de carros. Alarme falso: um pedaço da artilharia antiaérea iraquiana atingira a parede de uma casa.
Vendo o sucesso do vizinho, um bagdali brincou que faria ele também um buraco na parede de sua casa. De novo, ninguém riu.
Programação da última madrugada na TV estatal iraquiana: um acadêmico discutindo os primeiros filmes de Jerry Lewis.


Texto Anterior: DIÁRIO DE BAGDÁ: Bagdá tenta aparentar normalidade
Próximo Texto: Nassim, o engraxate que quer ser Ronaldo
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.