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ARTIGO
A verdade é que Iasser Arafat já está morto há anos
ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT"
Uma vez mais, Iasser Arafat está
morrendo. Acreditávamos que tivesse sido morto em 1982, quando a Força Aérea israelense voou
por sobre Beirute, atacando edifícios em que acreditavam que ele
pudesse estar. As bombas dilaceraram centenas de libaneses inocentes, mas Arafat saiu incólume.
Depois, surgiu a notícia de que
ele teria morrido na queda de um
avião no deserto da Líbia, mas
quem morreu foi o piloto e um
guarda-costas que se posicionou
para proteger o líder palestino.
Posteriormente, passamos a
crer que ele tivesse encontrado
seu fim na estrada para Bagdá,
quando um coágulo sangüíneo
quase fez com que seu coração
parasse. Mas médicos jordanianos o trouxeram de volta ao mundo dos vivos. Agora, uma vez
mais estamos nos preparando para a morte do velho. No entanto,
como o papa, ele parece determinado a durar para sempre.
Trata-se de um homem cansativo, não só nas repetições de sua
morte mas igualmente na vida,
um homem que se casou com a
Revolução -como sua mulher
viria a descobrir- em lugar de
desenvolver uma estratégia coerente para um povo sob ocupação. E, no final, Arafat se tornou
igual a muitos outros líderes árabes (e ao que os israelenses queriam que ele fosse): um pequeno
ditador, distribuindo dólares aos
seus comparsas envelhecidos mas
leais, promovendo falsamente a
democracia e se apegando ao poder nas ruínas de seu escritório
em Ramallah. Se tivesse feito o
que deveria -governado a "Palestina" (as aspas se tornam cada
dia mais importantes) de maneira
impiedosa, esmagando toda a
oposição e aceitando todas as demandas de Israel- agora lhe seria possível visitar não só Jerusalém mas até mesmo Washington.
Pouco depois do famoso aperto
de mão no gramado da Casa
Branca, eu disse a um amigo que
vive em Jerusalém que ele agora
teria de viver com Arafat como vizinho. Eu tive de conviver com
sua quase ocupação do oeste de
Beirute por sete anos. Era a época
em que ele prometia devolver todos os refugiados da Palestina
pré-1948 a seus lares, em que deliberadamente sacrificou milhares
de vidas palestinas em Tel el Zaatar para conquistar a simpatia do
mundo, em que tolerava seqüestros de aviões e falava sobre "democracia em meio às armas" e, finalmente, em que abandonou seu
pessoal aos capangas de Israel que
compunham a Falange.
O rosto de Arafat jamais terá espaço nos muros das universidades, ao contrário de Guevara ou
Castro. Há algo de vil em seus traços, e talvez fosse isso que os israelenses vissem, um homem em
que se poderia confiar para policiar seu povo nos pequenos bantustões a ele reservado, outro títere para dirigir o espetáculo quando a ocupação se provou cansativa demais. "Será que Arafat é capaz de controlar seu povo?" É isso
que os israelenses perguntavam, e
o mundo obedientemente repetia
a pergunta, sem compreender a
verdade: foi precisamente esse o
motivo de Arafat ser autorizado a
retornar aos territórios ocupados
-para "controlar" seu povo.
A única vez em que reagiu adversamente às demandas de americanos e israelenses -quando se
recusou a aceitar só 64% dos 22%
da Palestina que lhe estavam reservados- voltou triunfantemente a Gaza e permitiu que os israelenses alegassem que lhe havia
sido oferecido 95% da área, mas
que ele optara pela guerra.
Quando começou a negociar
com os israelenses, ele nem sequer havia visto as colônias judaicas, mas decidiu confiar nos americanos, e quando Israel começou
a renegar promessas de retirada,
ninguém o ajudou. Israel rompeu
acordos de retirada cinco vezes.
Então começou a segunda intifada, vieram os atentados suicidas
dos palestinos e o 11 de setembro
de 2001. Era apenas uma questão
de tempo -seis horas, para ser
exato- antes de Israel apontar
para conexões entre Arafat e Osama bin Laden e alegar que Ariel
Sharon também combatia o terrorismo mundial, em sua luta
contra o "terrorista" Arafat.
Em um país no qual a palavra
"terrorista" é usada de maneira
ainda mais promíscua que nos
EUA, ela era aplicada a Arafat por
todos os funcionários do governo
israelense e por todos os jornais
de direita fora do país.
Sentado como uma moribunda
coruja em seu quartel em Ramallah, Arafat deve ter percebido que
lhe cabia uma distinção única. Alguns "terroristas" -Khomeini,
por exemplo- morrem de velhice. Outros -como Ghadafi-
tornam-se estadistas por cortesia
de líderes mendazes como Tony
Blair. Outros -poderíamos lembrar Abu Nidal- terminam assassinados. Mas Arafat é o único
político a ter começado como
"superterrorista", ser transformado da noite para o dia em "superestadista" pelos acordos de Oslo
e a seguir devolvido à condição de
"superterrorista". Não admira
que ele tantas vezes pareça estar
perdendo a concentração, cometendo erros factuais, adoecendo.
Como todo ditador, garantiu
que não houvesse sucessão clara.
O posto poderia caber a Abu Jihad, mas ele foi assassinado pelos
israelenses em Túnis. Poderia caber a um dos líderes militantes a
quem os israelenses vêm matando com ataques aéreos nos dois
últimos anos. Poderia caber,
igualmente, a Marwan Barghouti,
que acaba de ser preso. E, se os israelenses decidirem que ele deve
ser o líder -estejam certos de que
os palestinos não têm escolha
quanto a isso-, as portas da prisão talvez lhe sejam abertas.
Sim, é possível que Arafat morra. O funeral seria, assim, o usual
banho de retórica dolorosa. Mas a
verdade, temo, é que Arafat já está
morto há muitos anos.
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