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AMÉRICA LATINA
Processo deve durar seis meses; especialista defende que ação repressiva do Estado também seja julgada
Peru inicia julgamento histórico do Sendero Luminoso
CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO
Em meio a relativo alheamento
da população, o Peru começa nesta semana um julgamento histórico. Pela primeira vez, será levado
a um tribunal civil e público o líder máximo e fundador da guerrilha maoísta Sendero Luminoso,
Abimael Guzmán, ao lado de outros 20 membros da cúpula senderista, acusados de terrorismo.
Serão ao menos quatro grandes
processos em exame, numa operação que começa em 5 de novembro e deve durar seis meses.
Os acusados, na verdade, já estão presos. Em 1992, logo após sua
captura pelo governo Alberto Fujimori (1990-2000), Guzmán, sua
mulher, Elena Iparraguirre, e outros da cúpula senderista foram
submetidos a um julgamento expresso, por juízes "sem rosto" que
lhes deram sentenças de prisão
perpétua. Porém os processos foram anulados em 2003 pela Justiça peruana, que os julgou inconstitucionais por violar direitos e garantias dos acusados.
Estratégia
"A estratégia da Sala Nacional
de Terrorismo, a instância judicial
do julgamento, foi estabelecer
uma quantidade limitada de processos que acumulem vários fatos
relevantes e que possam levar a
um julgamento de Guzmán e dos
demais na condição de chefes de
organização terrorista", explicou
à Folha Carlos Rivera, que é advogado da ONG peruana Instituto
de Defesa Legal. "E, desta vez, vai
ser pouco provável que Guzmán
ou outro senderista possa alegar
que seus direitos estejam sendo
violados."
Carlos Tapia, um dos maiores
especialistas peruanos em Sendero Luminoso, é mais cauteloso sobre o impacto do julgamento.
"Vai depender muito do comportamento da corte. Poderia acontecer como no caso de Saddam
Hussein, que no final foi quem
saiu interrogando o juiz", disse à
Folha. "Isso seria perigoso porque pode sugerir que melhores
seriam os julgamentos militares."
Ex-membro da Comissão da
Verdade e Reconciliação, Tapia
também acredita que falta ser julgada a ação do Estado na repressão à "guerra total" aberta pelo
Sendero nos anos 80. "Senão, vamos fazer parecer que o sucedido
na tragédia do Peru foi apenas como uma partida de futebol e que
nós éramos todos espectadores, e
não foi assim", disse.
O balanço oficial do conflito armado entre terroristas e militares
deixou 23.969 mortos e desaparecidos no país -saldo que chega a
69.280, segundo estatísticas da
própria comissão. Sendero e
Exército repartem a responsabilidade por esse resultado.
Apesar desses números, o julgamento ainda não ganhou em
cheio a atenção dos peruanos.
"Para a população peruana, o terrorismo aparece nas pesquisas
em 11º lugar, ou seja, há dez temas
que para a maioria são mais importantes", disse Tapia. "Mas o
julgamento certamente vai chamar a atenção se for transmitido
pela televisão e se deixar falar pela
primeira vez em público os principais líderes do Sendero."
Rivera concorda. "Os julgamentos por terrorismo têm agora importância menor da que tiveram
no passado. Agora há outros problemas mais intensos politicamente, o que não significa que o
julgamento não seja importante."
Questionados se o julgamento
poderia ser usado como arma política pelo atual presidente, Alejandro Toledo, cujas taxas de popularidade vêm despencando, os
dois analistas discordaram.
"É difícil que Toledo tire vantagem política do julgamento. Ele
não está muito vinculado ao tema
judicial e tampouco demonstrou
interesse no caso. Sua preocupação é outra, como as denúncias de
corrupção em que aparece envolvido", disse Rivera.
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