São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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AMÉRICA LATINA

Processo deve durar seis meses; especialista defende que ação repressiva do Estado também seja julgada

Peru inicia julgamento histórico do Sendero Luminoso

CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO

Em meio a relativo alheamento da população, o Peru começa nesta semana um julgamento histórico. Pela primeira vez, será levado a um tribunal civil e público o líder máximo e fundador da guerrilha maoísta Sendero Luminoso, Abimael Guzmán, ao lado de outros 20 membros da cúpula senderista, acusados de terrorismo.
Serão ao menos quatro grandes processos em exame, numa operação que começa em 5 de novembro e deve durar seis meses.
Os acusados, na verdade, já estão presos. Em 1992, logo após sua captura pelo governo Alberto Fujimori (1990-2000), Guzmán, sua mulher, Elena Iparraguirre, e outros da cúpula senderista foram submetidos a um julgamento expresso, por juízes "sem rosto" que lhes deram sentenças de prisão perpétua. Porém os processos foram anulados em 2003 pela Justiça peruana, que os julgou inconstitucionais por violar direitos e garantias dos acusados.

Estratégia
"A estratégia da Sala Nacional de Terrorismo, a instância judicial do julgamento, foi estabelecer uma quantidade limitada de processos que acumulem vários fatos relevantes e que possam levar a um julgamento de Guzmán e dos demais na condição de chefes de organização terrorista", explicou à Folha Carlos Rivera, que é advogado da ONG peruana Instituto de Defesa Legal. "E, desta vez, vai ser pouco provável que Guzmán ou outro senderista possa alegar que seus direitos estejam sendo violados."
Carlos Tapia, um dos maiores especialistas peruanos em Sendero Luminoso, é mais cauteloso sobre o impacto do julgamento. "Vai depender muito do comportamento da corte. Poderia acontecer como no caso de Saddam Hussein, que no final foi quem saiu interrogando o juiz", disse à Folha. "Isso seria perigoso porque pode sugerir que melhores seriam os julgamentos militares."
Ex-membro da Comissão da Verdade e Reconciliação, Tapia também acredita que falta ser julgada a ação do Estado na repressão à "guerra total" aberta pelo Sendero nos anos 80. "Senão, vamos fazer parecer que o sucedido na tragédia do Peru foi apenas como uma partida de futebol e que nós éramos todos espectadores, e não foi assim", disse.
O balanço oficial do conflito armado entre terroristas e militares deixou 23.969 mortos e desaparecidos no país -saldo que chega a 69.280, segundo estatísticas da própria comissão. Sendero e Exército repartem a responsabilidade por esse resultado.
Apesar desses números, o julgamento ainda não ganhou em cheio a atenção dos peruanos. "Para a população peruana, o terrorismo aparece nas pesquisas em 11º lugar, ou seja, há dez temas que para a maioria são mais importantes", disse Tapia. "Mas o julgamento certamente vai chamar a atenção se for transmitido pela televisão e se deixar falar pela primeira vez em público os principais líderes do Sendero."
Rivera concorda. "Os julgamentos por terrorismo têm agora importância menor da que tiveram no passado. Agora há outros problemas mais intensos politicamente, o que não significa que o julgamento não seja importante."
Questionados se o julgamento poderia ser usado como arma política pelo atual presidente, Alejandro Toledo, cujas taxas de popularidade vêm despencando, os dois analistas discordaram.
"É difícil que Toledo tire vantagem política do julgamento. Ele não está muito vinculado ao tema judicial e tampouco demonstrou interesse no caso. Sua preocupação é outra, como as denúncias de corrupção em que aparece envolvido", disse Rivera.

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