São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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BUSH

Com carisma e ajuda do pai, republicano alcança o sucesso político e econômico

DE WASHINGTON

"SO, HOW IS MY BUTT? (Então, como está o meu traseiro?)", pergunta o pré-candidato à Presidência dos Estados Unidos George W. Bush, se exibindo em um jeans novo e botas de caubói num ônibus de campanha em 2000. Na cena seguinte, Bush está sentado no ônibus ao lado da autora do documentário ""Journeys with George", Alexandra Pelosi, filha da líder democrata no Congresso, Nancy Pelosi.

Em dois minutos de conversa Bush dá uma cordial ""cantada" em Alexandra para ganhar seu voto. Falando baixinho e perto demais do ouvido da moça, Bush a faz sorrir. Envergonhada, ela balança positivamente a cabeça.
Apesar da ojeriza internacional e dos democratas contra o 43º presidente dos EUA, o republicano George Walker Bush, 58, é considerado carismático e popular até pelos seus inimigos.
Em comícios e eventos entre seus partidários, Bush age, fala e tem a recepção de um rock star, do Texas. Mal comparando, em termos de personalidade e empatia com seu público, Bush é para os seus eleitores o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é para os petistas mais entusiasmados.
O ""presidente da guerra", como se autodefine, atribui à influência do pai, o ex-presidente George Herbert Walker Bush, 80, o seu modo ""confuso e errado" de se ""comunicar em inglês". À mãe, Barbara, 79, a sua "tenacidade" e ""perseverança".
Nascido em Connecticut como o primogênito de quatro filhos e criado no Texas a partir dos dois anos de idade, Bush tem um claro divisor de águas em sua vida.
Ele se abriu em uma manhã de julho de 1986, no dia seguinte à comemoração dos seus 40 anos, quando o hoje presidente da nação mais poderosa do mundo acordou, pela enésima vez, com uma forte ressaca.
Da adolescência aos 40, Bush bebeu com freqüência e em quantidades industriais, segundo relatos seus e de amigos.
Aos 26, depois de colidir contra as latas de lixo de um vizinho da casa de seus pais, em Washington, chamou um furioso Bush pai de pijamas para um ""mano a mano" no meio da rua.
Antes, já havia sido preso por roubar um enfeite de Natal de uma porta em New Haven. Depois, visivelmente alcoolizado, xingaria de ""filho da puta" um adversário político do pai em um restaurante lotado no Texas.
A ressaca da manhã de 1986 seria, segundo o presidente, a última. Ao iniciar a sua ritual corrida diária de 7,5 km, Bush diz ter concluído, do alto de seus 40 anos, que a sua vida era ""algo próximo a um desastre".
Casado com Laura Welch, 57, desde 1977 e pai de duas filhas gêmeas, Jenna e Barbara, hoje com 23 anos, Bush tinha à época negócios afundados em dívidas e nenhum futuro promissor.
Assim como o pai, Bush freqüentou as melhores escolas dos EUA, como Andover e Yale, e pilotou aviões. Fez ainda uma pós-graduação em Harvard, onde é lembrado mais por mascar tabaco e cuspir no chão do que por suas boas notas.
O presidente nunca autorizou a liberação dos seus históricos escolares e chegou a ser recusado na Universidade do Texas por causa de notas na adolescência.
Seu ingresso em Andover e Yale teria ocorrido com a ajuda do pai influente, de resto um bom aluno nas duas escolas.
Bush pai também ajudou o atual presidente em sua carreira militar, que pode ser descrita como uma ""não-carreira".
Enquanto Bush pai foi voluntário, aos 18 anos, para lutar na Segunda Guerra como piloto, Bush filho refugiou-se na Guarda Nacional do Texas para não ir ao Vietnã em 1968, quando a conta de americanos mortos em combate chegava a 350 por semana.
Sua passagem pelo serviço militar é motivo de controvérsia até hoje. As dúvidas sobre se Bush cumpriu todas as suas obrigações e o fato de ter entrado na Guarda Nacional para evitar o Vietnã foram amplamente exploradas na atual campanha.
No teste de aptidão para piloto, por exemplo, o presidente atingiu o índice mais baixo permitido, 25%. Foi admitido no mesmo dia. Na época, seu pai já era um parlamentar em ascensão nos corredores de Washington.

Fora o álcool, viva a Bíblia
À sombra de seu pai, Bush teria chegado à conclusão, em 1986, que precisava mudar, rápido e radicalmente, para ir em frente.
A decisão de parar de beber foi acompanhada de uma conversão que o transformou em um ferrenho religioso. Um ano antes, Bush começara a tomar conselhos com religiosos e a ler a Bíblia de forma ainda esporádica.
Agora, durante a sua Presidência, todas as reuniões em que participa na Casa Branca são precedidas por orações. Grande parte das iniciativas sociais dos EUA sob o governo Bush, como clínicas para recuperação de viciados e de ajuda a mães solteiras, têm fundos vinculados a programas que incluem o ensino religioso.
Bush não fala no assunto, mas muitos atribuem a uma epifania a sua decisão de entrar para a política e, mais tarde, tentar a Presidência dos EUA.
A verdade é que a primeira tentativa de Bush na política começou muito antes, em 1978, quando ele tentou se eleger, sem sucesso, deputado pelo Texas.
Essa derrota anteciparia o longo período de expectativas e negócios frustrados na área de petróleo na empoeirada Midland, capital do óleo no oeste do Texas.
Mais tarde, a conversão religiosa e a nova sobriedade coincidiram com uma espécie de renascimento para Bush. Novamente, a ajuda do pai poderoso seria determinante.
Um mês antes de seu aniversário de 40 anos, a empresa de petróleo de Bush, a Spectrum 7, havia perdido US$ 406 mil e acumulava dívidas de US$ 3 milhões.
Quando Bush e seus sócios ainda faziam planos de cortes e de refinanciamentos, a Spectrum 7 receberia uma surpreendente oferta de compra da Harken Energy. A empresa tinha antigas relações com Bush pai.
A Harken não apenas assumiu as dívidas da Spectrum 7 como ainda colocou Bush filho no seu conselho de diretores. Na mesma época, Bush pai se preparava para uma eleição vitoriosa que o tornaria presidente dos EUA.
Agradecido, Bush filho ajudou o pai durante a campanha presidencial de 1988 e, após a vitória, voltou ao Texas e comprou, com US$ 600 mil emprestados, 2% do time de beisebol Texas Rangers.
Em pouco tempo, as conexões da família acabaram colocando Bush à frente do time, onde ganhou participações e se tornou um dos principais sócios.
Em 1994, Bush se candidatou para governador do Texas e, mais uma vez, com a ajuda do pai, levantou fundos recordes para sua campanha no Estado.
Venceu e se reelegeu, abrindo o caminho para que disputasse a presidência em 2000.
Ao derrotar o senador John McCain nas primárias presidenciais republicanas de 2000, Bush já era não apenas um político bem-sucedido, mas um homem rico. Ao vender sua participação no Texas Rangers, em 98, ele embolsara US$ 14 milhões.
A eleição de 2000 entre Bush e o democrata Al Gore foi a mais disputada da história dos EUA. A apuração dos resultados, que se arrastou por semanas, deu início à profunda divisão atual do eleitorado americano.
Ao assumir a Presidência, Bush afirmou que entrava para ""unificar, e não para dividir" o país. Na manhã de 11 de setembro de 2001, os maiores ataques terroristas da história fizeram emergir um novo líder, e um país inteiro em seu apoio.
Passado o choque inicial, as coisas voltaram ao normal. Reinstalada a divisão, o presidente acabou fazendo o contrário do que prometera, levando a esquerda a um aquartelamento.
Ideológico e extremo, Bush se pautou por posições que empurram o país na direção de uma direita religiosa e conservadora e a um unilateralismo sem precedentes na área internacional.
Assim como em 2000, os eleitores voltam na terça às urnas mais divididos do que nunca. A diferença agora é que sabem o que podem esperar de seu presidente, muito religioso e sóbrio.
Questionado durante a atual campanha sobre o que aconteceria caso tomasse um ou dois uísques, Bush respondeu: "Faria coisas estúpidas, muito provavelmente".(FERNANDO CANZIAN)

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