São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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Esquecida, América Latina não provoca divergências

FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO

DE QUEM É ESTA FRASE, dita na quinta-feira por um presidenciável americano: "Ao não ter aplicado a lei contra os rebeldes antigovernamentais colombianos que atuam a partir do território venezuelano e ao apoiar o regime repressor de Fidel Castro, o presidente Hugo Chávez minou a segurança regional e o progresso rumo à democracia"?

A resposta é o democrata John Kerry. Mas a declaração, que de uma vez engloba os três assuntos mais críticos da política externa de Washington para a América Latina, poderia facilmente ter saído da boca do presidente republicano George W. Bush.
Para analistas ouvidos pela Folha, não é apenas a prioridade no Oriente Médio que fez a América Latina ter sido ignorada na campanha presidencial mas também a pouca diferença entre os dois candidatos sobre a região.
"É um pouco dos dois motivos", afirma o boliviano Eduardo Gamarra, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho da Universidade Internacional da Flórida, em Miami.
"A América Latina e o Caribe não são de fato muito importantes para o resultado eleitoral. Ninguém nos EUA votará num candidato com base nas suas posições sobre a região, com a exceção talvez de cubanos e alguns venezuelanos e colombianos. O único tema relevante de política externa é o Iraque."
De fato, a América Latina foi solenemente ignorada nos três debates principais -até mesmo no primeiro, realizado no Estado da Flórida, reduto da raivosa comunidade anticastrista. Apenas no terceiro debate os dois debateram o tema da imigração, que interessa a muitos latino-americanos.
Nas poucas vezes em que houve declarações sobre a região, Kerry já deixou claro que, como Bush, apóia a principal iniciativa para a América Latina: a extensão do Plano Colômbia, a bilionária ajuda financeira e militar americana para combater o narcotráfico e o conflito armado.
Iniciada em 2000, sob o governo do democrata Bill Clinton, é de longe a maior e mais cara ação americana na região. Já foram gastos ao menos US$ 3,3 bilhões, fazendo da Colômbia o terceiro país que mais recebe ajuda de Washington, atrás apenas de Israel e do Egito.
"Como senador, tenho constantemente apoiado o Plano Colômbia; e, como presidente, trabalharei com o presidente [Álvaro] Uribe para manter o espírito bipartidário em Washington vivo em apoio ao Plano Colômbia", disse Kerry, em 15 de outubro.
Uma medida que indica o compromisso de longo prazo com o conflito armado na Colômbia foi a aprovação no Congresso americano do aumento de efetivos militares naquele país para 800, no início do mês.
Para o brasilianista Anthony Pereira, da Universidade Tulane (Nova Orleans), a manifestada preferência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela reeleição de Bush é um indício desse continuísmo: "Isso demonstra uma vez mais como é grande a tendência de continuidade nas relações entre EUA e América Latina apesar das alternâncias entre democratas e republicanos", afirma.
"Em 1992, observadores notaram que um governo Clinton dificilmente mudaria nossa política para a América Latina, e isso demonstrou ser verdadeiro", diz o cientista político.

Diferenças sutis
"Bush e Kerry têm pouquíssimas diferenças na região, e a Colômbia não é uma delas. Eles realmente divergem, no entanto, com relação ao comércio. Kerry quer voltar à mesa de negociações sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e a Área de Livro Comércio da América Central", diz Gamarra.
Para Pereira, a diferença mais acentuada entre os dois parece ser a relação com Cuba: "Kerry tem criticado a política de Bush de aumentar os limites para envio de dinheiro e visitas a Cuba por familiares morando nos EUA. Ele não se posicionou contra o embargo, mas provavelmente será menos linha-dura".
Além da questão cubana, o democrata também criticou a forma como Bush lidou com as crises políticas no Haiti e na Venezuela.
Kerry disse que nesses países o governo americano preferiu apoiar movimentos antidemocráticos: o levante que levou à renúncia do então presidente eleito Jean-Bertrand Aristide, no início do ano, e o frustrado golpe de abril de 2002 contra Chávez.
Outra diferença está na política interna de imigração, que interessa sobretudo ao México: enquanto Bush vem adiando enviar ao Congresso uma proposta de vistos temporários a trabalhadores, Kerry disse que proporá uma "reforma histórica" no início do governo visando maior proteção trabalhista e facilitará a reunificação familiar e o processo de legalização em alguns casos. Mas a sonhada anistia ampla, nem pensar.

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