|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Esquecida, América Latina não provoca divergências
FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO
DE QUEM É ESTA FRASE, dita na quinta-feira por um
presidenciável americano: "Ao não ter aplicado a lei
contra os rebeldes antigovernamentais colombianos
que atuam a partir do território venezuelano e ao apoiar
o regime repressor de Fidel Castro, o presidente Hugo
Chávez minou a segurança regional e o progresso rumo
à democracia"?
A resposta é o democrata John
Kerry. Mas a declaração, que de
uma vez engloba os três assuntos
mais críticos da política externa
de Washington para a América
Latina, poderia facilmente ter saído da boca do presidente republicano George W. Bush.
Para analistas ouvidos pela Folha, não é apenas a prioridade no
Oriente Médio que fez a América
Latina ter sido ignorada na campanha presidencial mas também
a pouca diferença entre os dois
candidatos sobre a região.
"É um pouco dos dois motivos",
afirma o boliviano Eduardo Gamarra, diretor do Centro Latino-Americano e Caribenho da Universidade Internacional da Flórida, em Miami.
"A América Latina e o Caribe
não são de fato muito importantes para o resultado eleitoral. Ninguém nos EUA votará num candidato com base nas suas posições sobre a região, com a exceção
talvez de cubanos e alguns venezuelanos e colombianos. O único
tema relevante de política externa
é o Iraque."
De fato, a América Latina foi solenemente ignorada nos três debates principais -até mesmo no
primeiro, realizado no Estado da
Flórida, reduto da raivosa comunidade anticastrista. Apenas no
terceiro debate os dois debateram
o tema da imigração, que interessa a muitos latino-americanos.
Nas poucas vezes em que houve
declarações sobre a região, Kerry
já deixou claro que, como Bush,
apóia a principal iniciativa para a
América Latina: a extensão do
Plano Colômbia, a bilionária ajuda financeira e militar americana
para combater o narcotráfico e o
conflito armado.
Iniciada em 2000, sob o governo
do democrata Bill Clinton, é de
longe a maior e mais cara ação
americana na região. Já foram
gastos ao menos US$ 3,3 bilhões,
fazendo da Colômbia o terceiro
país que mais recebe ajuda de
Washington, atrás apenas de Israel e do Egito.
"Como senador, tenho constantemente apoiado o Plano Colômbia; e, como presidente, trabalharei com o presidente [Álvaro] Uribe para manter o espírito bipartidário em Washington vivo em
apoio ao Plano Colômbia", disse
Kerry, em 15 de outubro.
Uma medida que indica o compromisso de longo prazo com o
conflito armado na Colômbia foi
a aprovação no Congresso americano do aumento de efetivos militares naquele país para 800, no
início do mês.
Para o brasilianista Anthony Pereira, da Universidade Tulane
(Nova Orleans), a manifestada
preferência do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva pela reeleição
de Bush é um indício desse continuísmo: "Isso demonstra uma
vez mais como é grande a tendência de continuidade nas relações
entre EUA e América Latina apesar das alternâncias entre democratas e republicanos", afirma.
"Em 1992, observadores notaram que um governo Clinton dificilmente mudaria nossa política
para a América Latina, e isso demonstrou ser verdadeiro", diz o
cientista político.
Diferenças sutis
"Bush e Kerry têm pouquíssimas diferenças na região, e a Colômbia não é uma delas. Eles realmente divergem, no entanto, com
relação ao comércio. Kerry quer
voltar à mesa de negociações sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e a Área de Livro Comércio da América Central", diz Gamarra.
Para Pereira, a diferença mais
acentuada entre os dois parece ser
a relação com Cuba: "Kerry tem
criticado a política de Bush de aumentar os limites para envio de
dinheiro e visitas a Cuba por familiares morando nos EUA. Ele
não se posicionou contra o embargo, mas provavelmente será
menos linha-dura".
Além da questão cubana, o democrata também criticou a forma
como Bush lidou com as crises
políticas no Haiti e na Venezuela.
Kerry disse que nesses países o
governo americano preferiu
apoiar movimentos antidemocráticos: o levante que levou à renúncia do então presidente eleito
Jean-Bertrand Aristide, no início
do ano, e o frustrado golpe de
abril de 2002 contra Chávez.
Outra diferença está na política
interna de imigração, que interessa sobretudo ao México: enquanto Bush vem adiando enviar ao
Congresso uma proposta de vistos temporários a trabalhadores,
Kerry disse que proporá uma "reforma histórica" no início do governo visando maior proteção
trabalhista e facilitará a reunificação familiar e o processo de legalização em alguns casos. Mas a sonhada anistia ampla, nem pensar.
Texto Anterior: Kerry: Com discrição, democrata abriu caminho para retomada das relações com Hanói Próximo Texto: Planalto e Itamaraty preferem vitória de Bush Índice
|