São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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Doações milionárias inflam pleito mais caro da história

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

AS CAMPANHAS DE GEORGE W. Bush e John Kerry não foram só as mais caras da história dos EUA -mais de US$ 240 milhões cada uma. Também tiveram as mais astronômicas doações individuais. A maior delas (US$ 23,6 milhões) foi feita a Kerry pelo megainvestidor de origem húngara George Soros. O democrata recebeu ainda US$ 23,1 milhões do empresário de seguros Peter Lewis e US$ 13,5 milhões de Steven Bing, produtor de Hollywood.

São dados atualizados do Center for Responsive Politics, uma das ONGs que monitoram os circuitos do dinheiro das campanhas presidenciais americanas.
Herbert Alexander, professor da Universidade do Sul da Califórnia e autor de "Financing Politics: Money, Elections and Political Reform" (financiando a política: dinheiro, eleições e reforma política), disponível só em inglês, disse à Folha que, segundo o Imposto de Renda americano, 49 cidadãos desta vez doaram US$ 1 milhão ou mais.
A campanha de Bush também se beneficiou de grandes doadores individuais. Alexander Spanos, magnata do setor imobiliário da Califórnia, deu US$ 5 milhões. Carl Lindner, do setor financeiro, deu US$ 1,8 milhão, e Jerrold Perenchio, proprietário de TVs hispânicas, US$ 3 milhões.
O jornal "Washington Post" publicou há duas semanas levantamento segundo o qual, na campanha de Kerry, para cada US$ 10 arrecadados, US$ 8 vieram de doadores de mais de US$ 250 mil.

Pequenas doações
Alexander afirma que esse quadro contrasta com a idéia da Lei McCain-Feingold, promulgada em 2002 e que tentava pulverizar o orçamento de campanha a partir de pequenas doações. Elas existiram aos milhares -quantias de US$ 25, US$ 50 ou US$ 100- e foram sobretudo feitas por meio da internet.
O site do "New York Times", por exemplo, trouxe um anúncio pró-Kerry que dava acesso a um formulário que o eleitor preenchia com o valor doado e o número de seu cartão de crédito.
Esse dinheiro individual foi também arrecadado por ONGs que se formaram como "comitês 527", número de um artigo do Código do Imposto de Renda.
O Center for Public Integrity, entidade que também faz o acompanhamento de gastos eleitorais, revelou há dias em estudo que US$ 175 milhões foram arrecadados por 28 comitês formados para favorecer ou montar obstáculos para a reeleição de Bush.
É ainda Herbert Alexander quem esclarece: o dinheiro miúdo, até US$ 2.000 por doador, pode financiar anúncios de TV que promovem diretamente o presidente ou seu adversário. Mas, com o dinheiro dos 527, pagam-se anúncios que dão um recado, sem no entanto pedir o voto do eleitor.
É o caso de anúncios que acusaram a Reforma Tributária de Bush de "apenas favorecer os americanos mais ricos". Acusação benéfica a Kerry.
O fato é que os comitês 527 criaram um circuito emaranhado e confuso de circulação do dinheiro. Vejamos as doações do milionário republicano Carl Lindner. Ele as fez para uma ONG chamada Progresso para a América (US$ 750 mil), para uma entidade partidária, a Associação dos Governadores Republicanos (US$ 200 mil) e para dois outros grupos favoráveis a Bush.
Essas doações não esgotam os canais pelos quais o dinheiro circulou. Há ainda os Comitês de Ação Política, conhecidos pela sigla em inglês PACs. São entidades empresariais, sindicais, grupos ambientalistas ou de minorias étnicas. Só podem recolher doações de indivíduos de no máximo US$ 2.000. Eles se organizam de acordo com as normas eleitorais, ao contrário dos comitês 527, que são regidos pela legislação do Imposto de Renda.
Os PACs pró-Kerry arrecadaram US$ 782 mil dólares. Os pró-Bush, bem mais: US$ 2,9 milhões.

Organizações não-partidárias
Uma terceira forma de arrecadar dinheiro está nas organizações não-partidárias. Apesar do nome, fazem em geral campanha por um dos concorrentes, como o demonstrou recentemente o "New York Times". Esforçar-se para registrar eleitores em bairros predominantemente negros é favorecer os democratas.
O exemplo mais competente é o de uma entidade chamada ACT (America Coming Together). Depois de amanhã ela telefonará para os eleitores inscritos como democratas, exortando-os a votar. E fará algo que no Brasil é crime eleitoral: só na Flórida alugará 1.200 peruas para transportar eleitores aos locais de votação.
Existem, por fim, três outras formas de arrecadar e gastar dinheiro para eleger um presidente dos Estados Unidos.
A primeira é mais simples, e consiste em permitir que o candidato gaste uma parte de sua fortuna pessoal.
A segunda está nas doações feitas aos partidos. Um indivíduo pode doar no máximo US$ 20 mil. E há, em último lugar, o dinheiro público. O Tesouro americano já liberou para os cofres de campanha de George W. Bush e John Kerry dois cheques de US$ 75 milhões cada um.

Eleições de 1960
Os dois candidatos poderiam ter recebido financiamento público antes das convenções de seus partidos. Mas abriram mão desse privilégio porque, para tanto, deveriam limitar seus gastos.
Calcularam que, sem limitações oficiais, arrecadariam mais. Na reta final as regras são mais flexíveis. É por isso que, nessa fase, aceitaram o dinheiro.
Em 1960, quando John Kennedy derrotou Richard Nixon, cada um gastou entre US$ 10 milhões e US$ 15 milhões, em valores de hoje, diz Herbert Alexander.
Em 1972 -são estimativas, pois a contabilidade eleitoral era menos transparente- já se gastava até US$ 40 milhões nos comitês de Nixon e do democrata que ele derrotou, George McGovern. Quantias que representam um décimo do que George W. Bush e John Kerry estão agora gastando.

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