São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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Só vitória clara impedirá batalha jurídica

VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO

Se em 2000 o caos jurídico que atrasou o resultado da eleição por 36 dias foi um acontecimento completamente inesperado, desta vez há quase um consenso: uma nova batalha de advogados só não acontecerá se a apuração apontar um vencedor incontestável, com uma larga vantagem de votos.
"Espero que não chegue à Suprema Corte, mas é certamente possível. Espero que um candidato ganhe claramente", afirma Charles Ehrhardt, professor de direito da Universidade Estadual da Flórida. "Acho bastante possível [o envolvimento da Suprema Corte]. Depende muito de quão apertado o resultado for", concorda Bob Shapiro, do departamento de ciências políticas da Universidade Columbia.
Os dois partidos estão se preparando há meses para a possibilidade de confrontos nos tribunais. Os republicanos já arrecadaram em torno de US$ 8 milhões somente para arcar com despesas legais -acredita-se que os democratas tenham um fundo específico para esse fim de pelo menos US$ 3 milhões. A imprensa americana vem falando que os partidos arregimentaram milhares de advogados -os relatos chegam a até 25 mil.
Barry Richard, o advogado que representou George W. Bush na Corte Suprema da Flórida em 2000, relativiza um pouco essa informação, dizendo que há muito exagero. Richard afirma que os partidos não criaram armadas de advogados, mas apenas construíram listas de voluntários que poderão vir a ser convocados para trabalhar em locais em que surgirem litígios.
O advogado, que já foi contratado pelos republicanos para qualquer eventualidade, não acredita que as ações na Justiça possam ter a mesma magnitude da eleição passada: "Primeiro, 2000 foi uma coisa inédita, não tínhamos precedentes legais para nos guiar. Agora já temos diretrizes da Suprema Corte. A segunda razão é que desta vez as ações já estão correndo e vamos ter muitas das questões resolvidas antes da eleição. A terceira coisa é que mudamos as leis para evitar os problemas da última vez".

Emenda 36
Além de acompanharem atentamente a apuração nacional na noite do dia 2, Bush e Kerry precisarão ficar de olho em uma outra votação que poderá definir o futuro dos dois: os eleitores do Colorado também opinarão em um referendo sobre como serão escolhidos os representantes do Estado no Colégio Eleitoral.
A Emenda 36, como é conhecida a proposta, dividirá os nove votos do Colorado no Colégio Eleitoral de forma proporcional à votação obtida pelos candidatos -pela lei atual vale a regra "o vencedor leva tudo" (leia mais no quadro ao lado).
Se for aprovada, a Emenda 36 muito provavelmente vai colocar novamente em ação a Suprema Corte. São pelo menos dois os motivos que podem provocar ações na Justiça: alguns entendem que a modificação não poderia valer já para esta eleição presidencial; outros argumentam que não cabe à população decidir sobre isso e sim ao Legislativo.
John Ferejohn, professor de ciências políticas da Universidade Stanford, aponta como a principal fonte de questionamentos que surgirão na apuração as urnas eletrônicas -que serão usadas por cerca de 50 milhões de eleitores (aproximadamente um terço do total). "Para mim, os maiores problemas se relacionarão com a tentativa de implementar rapidamente novos sistemas eletrônicos. No mínimo, eles estão predestinados a ter problemas de transição e de treinamento [dos funcionários eleitorais]."
A implementação das urnas eletrônicas nos Estados Unidos esteve longe de ser um processo sem solavancos. Um levantamento realizado pelo jornal "The Sun-Sentinel" apontou que as urnas eletrônicas usadas nas primárias de março apresentaram seis vezes mais erros que o sistema de scanners óticos (similar ao método usado nas casas lotéricas brasileiras).
"Eu me preocuparia com a confusão sobre se certos eleitores, como criminosos ou supostos criminosos, terão permissão para votar. E também com o voto de alguns eleitores pertencentes à minorias de áreas em que já houve problemas no passado", afirma Shapiro, da Universidade Columbia. Na eleição de 2000, muitos negros e pessoas erradamente classificadas com ex-condenadas -alguns Estados cassam o registro eleitoral de criminosos- não puderam votar porque seus nomes não estavam incluídos nas listas de eleitores.
Para evitar que isso acontecesse de novo, as leis foram mudadas a fim de criar o "voto provisional": quem não aparece nas listas vota em separado e, após uma checagem posterior, a cédula é contada ou não. Só que aí abriu-se um campo para novas brigas nos tribunais. Os democratas estão lutando em vários Estados para garantir que os votos de eleitores efetuados fora de suas seções eleitorais sejam efetivamente contados -os republicanos são contra porque, em tese, pessoas de baixa renda, que costumam votar nos democratas, tendem a mudar mais de endereço (e por isso compareceriam a seções eleitorais diferentes daquelas em que estão registradas).
Como todas as pesquisas indicam uma eleição acirrada entre Bush e John Kerry, as chances de o raio cair no mesmo lugar duas vezes não são tão pequenas assim. Caso a disputa no Colégio Eleitoral venha a ser decidida por uma margem pequena de votos, é muito provável que o pesadelo de 2000 se alastre para outros Estados. Não se deve esquecer que não foi somente na Flórida -onde Bush venceu por 537 votos- que o resultado foi apertado: no Novo México, Al Gore venceu por apenas 366 votos e em Oregon, Iowa e Wisconsin a diferença entre os dois foi de no máximo 0,4 ponto percentual.
E, embora tenham sido aposentadas na Flórida, aquelas antiquadas máquinas de perfurar a cédula -que em muitos casos não mostram claramente quem recebeu o voto- serão usadas por 32 milhões de eleitores em 19 Estados.

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