São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O Velho Oeste está com Bush, do Arizona até o Novo México

SÉRGIO DÁVILA
EM LAS CRUCES (NOVO MÉXICO)

Em 1871, democratas e republicanos e suas respectivas bandas foram à praça central da cidade de Mesilla, no Novo México. Ambos os partidos queriam o lugar para celebrar. Nenhum dos lados cedeu. Dezenas morreram, no que ficou conhecido como a Batalha das Bandas. Dez anos depois, quando já era uma das principais localidades do hoje chamado Velho Oeste, Mesilla condenou à morte por enforcamento o fora-da-lei William Bonney, também conhecido como Billy the Kid, para dar o exemplo aos bandidos que andavam pela região.
Corta.
Mais de 120 anos depois, a cidade de Mesilla virou de novo um agitado centro urbano. Nos últimos dias, a cidadezinha, de pouco mais de 2 mil habitantes, foi palco de um comício do candidato democrata à Vice-Presidência, John Edwards, e Las Cruces, a cidade "grande" (10 mil habitantes) que acabou engolfando Mesilla, recebeu o próprio George W. Bush. Tudo porque o Novo México, o Estado que abriga ambas, é um dos indecisos, que pode dar seus ralos cinco votos no Colégio Eleitoral para qualquer um dos lados e fazer a diferença.
Pois o presidente George W. Bush está com a dianteira, pelo menos segundo investigação nada científica feita por esta coluna. Primeiro, pelos sinais aparentes: não existe adesivo, outdoor ou camiseta a favor de Kerry, somente do atual presidente. Um deles diz: "Viva Arbusto" ("bush" quer dizer árvore pequena tanto em espanhol quanto em português; o único lugar em que o sobrenome do presidente norte-americano é pronunciado "bãsh", no entanto, é no Brasil).
Na Old Plaza, a mesma em que Billy the Kid teria sido enforcado -outra versão diz que ele foi morto por um tiro do delegado Pat Garrett-, o republicano dá as cartas. John Doe, nome, idade e fotografia negados ao repórter ("Sou um detetive particular, vivo de meu anonimato", diz, todo vestido de preto, descendo de sua Harley Davidson), não vai votar, mas votaria em Bush. "O outro não demonstra aptidão para a Casa Branca", resume.
Do outro lado da rua, o prédio que já foi uma corte, a mesma em que Billy the Kid foi condenado, hoje vende lembranças relacionadas ao meliante e a outros de mesma fama. Na caixa registradora, Stephanie Evens, 19, vê o preço de um adesivo escrito "Procurado Vivo ou Morto" para um cliente. Ela também vota em Bush. No caso, votou, pois mandou antecipado seu voto pelo correio. "Kerry parece não saber o que quer, ou, se sabe, não consegue deixar isso muito claro", diz. "Além disso, acho que ele é muito arrogante."
Embora o título oficial seja do Texas, o Novo México é um dos lugares mais estranhos do planeta. Cruzar seu deserto pela estrada I-10 pode ser uma experiência mística. Ao sul, você vê que acaba de passar por Lisbon, vizinha à cidade-fantasma de Shakespeare (são vilarejos abandonados em algum momento do século 19; este especificamente virou atração turística). Ao norte, é informado da existência do Trinity Site, local onde foi lançada a primeira bomba atômica da história, ainda como teste, às 5h29 do dia 16 de julho de 1945.
Um pouco mais ao leste fica Roswell, onde, segundo os teóricos da conspiração, o governo norte-americano mantém restos de naves e seres extraterrestres (!). A uma hora de Las Cruces, me avisam, existe uma cidade muito interessante chamada Truth or Consequences, por que eu não visito? É verdade. Foi até tema de filme, "Truth or Consequences, NM", de 1997, o primeiro longa dirigido pelo ator Kiefer Sutherland, que no Brasil levou o título de "Últimas Conseqüências".

"A Coisa"
Fora os avisos da estrada. "Possibilidade de tempestade de areia, possível visibilidade zero", informa uma placa. "Tabuleiro de xadrez todo feito de ônix, a especialidade de Butterfield", informa outra delas. "Conheça Deming e assista a uma de nossas corridas de pato", anuncia outra, ainda. "Atalho para o México? Dobre à direita em Columbus", anuncia, sem meias palavras, um outdoor. E, claro, a indicação para Albuquerque, um clássico -afinal, era onde Pernalonga dizia em todos os seus desenhos que devia ter virado à direita.
Antes, no Arizona, a comprovação: o Velho Oeste está mesmo com George W. Bush. Pelo menos outra cidade-símbolo, Tombstone. Foi aqui que, segundo os relatos, ocorreu o duelo que talvez tenha sido o mais filmado da história do cinema, atrás apenas do final de "Hamlet". No dia 26 de outubro de 1886, o xerife Wyatt Earp e seus amigos Doc Holliday, Virgil e Morgan Earp enfrentaram o bando dos irmãos McLaury e Clantons no O.K. Corral. Hoje, quem manda é Dustin "Dusty" Escapule, o prefeito da cidade, cuja família vive em Tombstone desde antes da fundação.
Ele é republicano. Assim como a maioria da população, 1.220 almas. Agora, o perigo não são mais os bandos de ladrões de gado, mas os mexicanos ilegais, que chegam à cidade vindos do sul -a fronteira fica a poucos quilômetros da cidade. No último dia 24, o jornal da localidade, "Tumblestone Tumbleweed", trazia como manchete: "Chega! Um chamado às armas! Os cidadãos vão formar uma patrulha para vigiar a fronteira!". Assinado por Chris Simcox, o publisher do jornal, o panfleto deixou iradas organizações humanitárias por seu tom xenofóbico.
Assim é o Arizona, ou parte do sul dele. Apesar de o Estado ser considerado apenas "fortemente inclinado a apoiar Bush", a impressão é a de que já fechou a questão faz tempo. Num dos programas de rádio mais ouvidos de Phoenix, a capital do Estado, o analista convidado para falar sobre as eleições, ontem, era um colunista do jornal "The Washington Times", fundado pelo reverendo Moon, ideologicamente à direita do ultraconservador John Ashcroft. Pois ele é muito ouvido no sistema de som de "A Coisa".
"A Coisa" (ou "The Thing"), no original, vai instigando o motorista ao longo da estrada, com outdoors escritos apenas "Conheça A Coisa". Siga as placas e vai dar de cara com o pior e mais kitsch museu do mundo, mantido por uma loja de quinquilharias e uma lanchonete de fast-food. Entre suas "relíquias" está um Rolls Royce que teria sido usado pelo ditador nazista Adolf Hitler em 1935 e a suposta carruagem com que Abraham Lincoln fez seu desfile de posse. "The thing is", diz uma placa, "nós não podemos provar nada disso...".
Mas nem tudo é republicano no Arizona. Trechos da I-10 neste Estado são mantidos pelo comitê do Partido Democrata, como parte do programa Adote uma Rodovia. Seu último evento antes das eleições acontece hoje: a exibição de "Fahrenheit 11 de Setembro", de Michael Moore...

Texto Anterior: Só vitória clara impedirá batalha jurídica
Próximo Texto: Olhar brasileiro: As guerras culturais no seio do Império
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.