|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O Velho Oeste está com Bush, do Arizona até o Novo México
SÉRGIO DÁVILA
EM LAS CRUCES (NOVO MÉXICO)
Em 1871, democratas e republicanos e suas respectivas bandas
foram à praça central da cidade de
Mesilla, no Novo México. Ambos
os partidos queriam o lugar para
celebrar. Nenhum dos lados cedeu. Dezenas morreram, no que
ficou conhecido como a Batalha
das Bandas. Dez anos depois,
quando já era uma das principais
localidades do hoje chamado Velho Oeste, Mesilla condenou à
morte por enforcamento o fora-da-lei William Bonney, também
conhecido como Billy the Kid, para dar o exemplo aos bandidos
que andavam pela região.
Corta.
Mais de 120 anos depois, a cidade de Mesilla virou de novo um
agitado centro urbano. Nos últimos dias, a cidadezinha, de pouco
mais de 2 mil habitantes, foi palco
de um comício do candidato democrata à Vice-Presidência, John
Edwards, e Las Cruces, a cidade
"grande" (10 mil habitantes) que
acabou engolfando Mesilla, recebeu o próprio George W. Bush.
Tudo porque o Novo México, o
Estado que abriga ambas, é um
dos indecisos, que pode dar seus
ralos cinco votos no Colégio Eleitoral para qualquer um dos lados
e fazer a diferença.
Pois o presidente George W.
Bush está com a dianteira, pelo
menos segundo investigação nada científica feita por esta coluna.
Primeiro, pelos sinais aparentes:
não existe adesivo, outdoor ou camiseta a favor de Kerry, somente
do atual presidente. Um deles diz:
"Viva Arbusto" ("bush" quer dizer árvore pequena tanto em espanhol quanto em português; o
único lugar em que o sobrenome
do presidente norte-americano é
pronunciado "bãsh", no entanto,
é no Brasil).
Na Old Plaza, a mesma em que
Billy the Kid teria sido enforcado
-outra versão diz que ele foi
morto por um tiro do delegado
Pat Garrett-, o republicano dá as
cartas. John Doe, nome, idade e
fotografia negados ao repórter
("Sou um detetive particular, vivo
de meu anonimato", diz, todo
vestido de preto, descendo de sua
Harley Davidson), não vai votar,
mas votaria em Bush. "O outro
não demonstra aptidão para a Casa Branca", resume.
Do outro lado da rua, o prédio
que já foi uma corte, a mesma em
que Billy the Kid foi condenado,
hoje vende lembranças relacionadas ao meliante e a outros de mesma fama. Na caixa registradora,
Stephanie Evens, 19, vê o preço de
um adesivo escrito "Procurado
Vivo ou Morto" para um cliente.
Ela também vota em Bush. No caso, votou, pois mandou antecipado seu voto pelo correio. "Kerry
parece não saber o que quer, ou,
se sabe, não consegue deixar isso
muito claro", diz. "Além disso,
acho que ele é muito arrogante."
Embora o título oficial seja do
Texas, o Novo México é um dos
lugares mais estranhos do planeta. Cruzar seu deserto pela estrada
I-10 pode ser uma experiência
mística. Ao sul, você vê que acaba
de passar por Lisbon, vizinha à cidade-fantasma de Shakespeare
(são vilarejos abandonados em algum momento do século 19; este
especificamente virou atração turística). Ao norte, é informado da
existência do Trinity Site, local
onde foi lançada a primeira bomba atômica da história, ainda como teste, às 5h29 do dia 16 de julho de 1945.
Um pouco mais ao leste fica
Roswell, onde, segundo os teóricos da conspiração, o governo
norte-americano mantém restos
de naves e seres extraterrestres (!).
A uma hora de Las Cruces, me
avisam, existe uma cidade muito
interessante chamada Truth or
Consequences, por que eu não visito? É verdade. Foi até tema de filme, "Truth or Consequences,
NM", de 1997, o primeiro longa
dirigido pelo ator Kiefer Sutherland, que no Brasil levou o título
de "Últimas Conseqüências".
"A Coisa"
Fora os avisos da estrada. "Possibilidade de tempestade de areia,
possível visibilidade zero", informa uma placa. "Tabuleiro de xadrez todo feito de ônix, a especialidade de Butterfield", informa
outra delas. "Conheça Deming e
assista a uma de nossas corridas
de pato", anuncia outra, ainda.
"Atalho para o México? Dobre à
direita em Columbus", anuncia,
sem meias palavras, um outdoor.
E, claro, a indicação para Albuquerque, um clássico -afinal, era
onde Pernalonga dizia em todos
os seus desenhos que devia ter virado à direita.
Antes, no Arizona, a comprovação: o Velho Oeste está mesmo
com George W. Bush. Pelo menos
outra cidade-símbolo, Tombstone. Foi aqui que, segundo os relatos, ocorreu o duelo que talvez tenha sido o mais filmado da história do cinema, atrás apenas do final de "Hamlet". No dia 26 de outubro de 1886, o xerife Wyatt Earp
e seus amigos Doc Holliday, Virgil
e Morgan Earp enfrentaram o
bando dos irmãos McLaury e
Clantons no O.K. Corral. Hoje,
quem manda é Dustin "Dusty"
Escapule, o prefeito da cidade, cuja família vive em Tombstone
desde antes da fundação.
Ele é republicano. Assim como
a maioria da população, 1.220 almas. Agora, o perigo não são mais
os bandos de ladrões de gado,
mas os mexicanos ilegais, que
chegam à cidade vindos do sul
-a fronteira fica a poucos quilômetros da cidade. No último dia
24, o jornal da localidade, "Tumblestone Tumbleweed", trazia como manchete: "Chega! Um chamado às armas! Os cidadãos vão
formar uma patrulha para vigiar a
fronteira!". Assinado por Chris
Simcox, o publisher do jornal, o
panfleto deixou iradas organizações humanitárias por seu tom
xenofóbico.
Assim é o Arizona, ou parte do
sul dele. Apesar de o Estado ser
considerado apenas "fortemente
inclinado a apoiar Bush", a impressão é a de que já fechou a
questão faz tempo. Num dos programas de rádio mais ouvidos de
Phoenix, a capital do Estado, o
analista convidado para falar sobre as eleições, ontem, era um colunista do jornal "The Washington Times", fundado pelo reverendo Moon, ideologicamente à
direita do ultraconservador John
Ashcroft. Pois ele é muito ouvido
no sistema de som de "A Coisa".
"A Coisa" (ou "The Thing"), no
original, vai instigando o motorista ao longo da estrada, com outdoors escritos apenas "Conheça A
Coisa". Siga as placas e vai dar de
cara com o pior e mais kitsch museu do mundo, mantido por uma
loja de quinquilharias e uma lanchonete de fast-food. Entre suas
"relíquias" está um Rolls Royce
que teria sido usado pelo ditador
nazista Adolf Hitler em 1935 e a
suposta carruagem com que
Abraham Lincoln fez seu desfile
de posse. "The thing is", diz uma
placa, "nós não podemos provar
nada disso...".
Mas nem tudo é republicano no
Arizona. Trechos da I-10 neste Estado são mantidos pelo comitê do
Partido Democrata, como parte
do programa Adote uma Rodovia. Seu último evento antes das
eleições acontece hoje: a exibição
de "Fahrenheit 11 de Setembro",
de Michael Moore...
Texto Anterior: Só vitória clara impedirá batalha jurídica Próximo Texto: Olhar brasileiro: As guerras culturais no seio do Império Índice
|