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ARTE & ESTILO

Na Irlanda, a arte das ruínas econômicas

POR DOREEN CARVAJAL

Retratos soturnos de emigrantes e casas inacabadas

DUBLIN - É de noite que David Monahan percorre ruas escuras em busca da "geração resgate" irlandesa -o apelido dado à onda de jovens emigrantes irlandeses que partem para países distantes, fugindo da crise financeira.

Monahan fez a foto n°58 algumas semanas atrás em um porto pesqueiro pouco conhecido em Loughshinny, no condado de Dublin. A pessoa fotografada é Graham Martin, 29 anos, fotógrafo artístico que estava de partida para o Brasil, na esperança de encontrar perspectivas melhores que seu último trabalho, selecionando couves de Bruxelas.

Monahan diz que as pessoas que fotografa são "heróis, aventureiros, sobreviventes". Há 19 meses, em uma série de fotos intitulada "Leaving Dublin" (Deixando Dublin), ele vem registrando partidas marcadas por alegria e sofrimento. "O projeto celebra as pessoas para as quais minha cidade não tem espaço nestes tempos".

"Nestes tempos" é um termo abreviado com que os irlandeses se referem ao desemprego de 14,5%, impostos em alta, gastos públicos cortados e um humilhante pacote de resgate de US$87 bilhões recebido de credores internacionais. Mas a austeridade também vem funcionando como inspiração para alguns artistas irlandeses que ao registrar a crise encontram oportunidades nos escombros deixados por uma orgia de crédito imobiliário e dívidas.

Alguns artistas andam fechando com construtoras falidas contratos de aluguel de valor baixíssimo, para criar estúdios e galerias em edifícios de luxo, cujos apartamentos estão vazios, e armazéns abandonados em cidades que vão de Limerick a Dublin. Outros, como Monahan, 47, -cujo próprio trabalho como freelancer para museus se reduziu tremendamente na crise- vêm canalizando a tristeza e a revolta para sua arte, com resultados em muitos casos comoventes e dolorosos.

A inspiração nascida do resgate financeiro é tão fértil que o cineasta Donald Taylor Black, 60, diretor da escola de cinema da Irlanda no Instituto de Arte, Design e Tecnologia, está criando um documentário de uma hora sobre o gênero da arte do crash. Seu título, "Stuffing the Tiger" (algo como "Dando uma Banana para o Tigre"), faz alusão aos distantes tempos do boom irlandês, quando o país era descrito como o "Tigre Celta".

Nos últimos dois anos, David Quin, 60 anos, professor na escola de cinema, cria e posta on-line semanalmente episódios de 30 segundos de duração de "Cutbacks", uma série de "stop motion", com bonecos de papel e materiais reciclados, que fazem comentários cáusticos sobre a situação em que a Irlanda se encontra.

"Isso me enfurece", disse Quin, que já zombou do primeiro-ministro, Enda Kenny, mostrando-o como um marionete. "Não tivemos chance de dar nossa opinião sobre o que está acontecendo."

A crise financeira parece impelir os artistas à escuridão. Monahan faz todos seus retratos de emigrados à noite, por razões estéticas mas também para evitar o trânsito nas ruas. "A ideia é intensificar a dramaticidade e conferir um caráter heróico ao trabalho", disse ele, "mostrando como esses jovens emigrantes estão cheios de força e determinação."

O fotógrafo de arte Anthony Haughey, 48 anos, de Dublin, também percorreu a Irlanda depois do anoitecer, mas para captar as ruínas melancólicas das construções abandonadas no país. Sua exposição fotográfica itinerante, "Settlement", mostra paisagens áridas de conjuntos habitacionais não vendidos e em muitos casos inacabados, erguidos antes do colapso do mercado imobiliário.

Haughey contou que trabalhou à noite para não perturbar os guardas de segurança do local. Depois de algum tempo, porém, percebeu que estava sozinho entre os trechos de lama e os esqueletos de casas, sem janelas ou telhados.

"Acho que estou identificando muita raiva e frustração", disse o fotógrafo, que é professor no Instituto de Tecnologia de Dublin e cujas exposições anteriores exploraram os conflitos dos Bálcãs, em Kosovo e Srebrenica. "A verdadeira questão para nós é como avançar a partir de onde estamos agora? A arte se torna um canal condutor para um diálogo crítico."

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