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A defesa dos sítios e tradições do mundo

Por STEVEN ERLANGER

Patrimônios da humanidade representam grandes negócios, atraindo multidões de turistas a países pobres. Mas a designação de patrimônio da humanidade ou patrimônio mundial também pode prejudicar os próprios lugares que protege, por causa da construção de restaurantes e hotéis de grandes redes, onde milhares de pés pisam sobre solo frágil.

Por outro lado, a designação de patrimônio também pode dar reconhecimento a tradições que podem ter pouco valor estético para qualquer grupo, exceto para aqueles que as praticam.

A Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) criou dois tratados para proteger o conceito de patrimônio.

A Convenção do Patrimônio da Humanidade data de 1972 e foi criada para proteger paisagens selvagens antes que desaparecessem. A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial foi adotada em 2003 para defender tradições e é mais controversa. Cerca de 188 países ratificaram a primeira convenção.

Existem até hoje 725 patrimônios culturais, 183 naturais e 28 sítios que são patrimônios culturais e também naturais, em 153 países. A lista abrange a Torre de Pisa, na Itália. A Jordânia tem Petra e Wadi Rum. A França chega a incluir as margens do Sena entre seus patrimônios mundiais.

A Rússia tem o Kremlin, a praça Vermelha e o lago Baikal. A lista de patrimônios mundiais dos EUA inclui o parque nacional Yellowstone, o Grande Cânion e Everglades. Luxemburgo praticamente inteiro é patrimônio da humanidade; no Afeganistão há os resquícios dos Budas de Bamiyan, destruídos pelo Taleban.

As Ilhas Marshall têm o sítio de testes nucleares do atol de Bikini (preservando um lugar consagrado ao potencial fim de tudo).

Alonzo C. Addison, diretor do departamento de relações externas da Unesco, lista os sítios mundiais segundo o grau de problemas que enfrentam, por causas que incluem conflitos, roubo, construção, poluição, invasores e turismo.

O perigo mais evidente é o de conflitos armados, seja no Afeganistão, em Jerusalém, em Kosovo ou em volta do templo Preah Vihear, na fronteira entre Camboja e Tailândia.

Mas o problema mais preocupante talvez seja o turismo de massas. "O mundo se tornou mais globalizado, e alguns sítios não têm condições de receber todos os turistas", disse Addison.

"O lado sombrio é o consumo, é claro", ponderou Francesco Bandarin, diretor-geral assistente da Unesco e diretor do Centro de Patrimônio Mundial da organização, falando do consumismo que frequentemente cerca os sítios de patrimônio mundial. "Consumo e preservação não andam de mãos dadas." Se um sítio fica "a menos de uma hora de um porto", ele acrescentou, "é inundado por uma enxurrada de turismo e dinheiro nacional e estrangeiro".

Hoje, segundo ele, há 200 hotéis próximos a Angkor Wat. "Em muitos países pobres, o setor do turismo goza de muito poder, mas tem visão de curto prazo."

Até agora, 139 países já assinaram a convenção do patrimônio cultural. Das 267 tradições já abrangidas pela convenção, 27 "precisam ser salvaguardadas com urgência", sendo uma delas a tecnologia das anteparas à prova d'água dos juncos chineses.

A lista regular inclui tradições orais, performances, rituais sociais e artesanato, incluindo o Balé Real do Camboja e o teatro de fantoches da Indonésia. Sem falar na gastronomia francesa.

Mas a inclusão na lista pode levar à manipulação. A refeição gastronômica francesa preserva o evento familiar que comemora grandes ocasiões da vida. Assim, a Unesco não gostou quando 60 chefs franceses aproveitaram a designação para se promoverem com uma festa em Versalhes, em abril passado, na qual refeições foram preparadas fora dali. Fala-se em anular o reconhecimento.

Cécile Duvelle, encarregada da seção de patrimônio imaterial da Unesco, defende o conceito a unhas e dentes. O objetivo, segundo ela, não é "preservar e proteger, no sentido de congelar, mas salvaguardar", como uma espécie de patrimônio vivo. Em troca da inclusão das tradições, o governo se compromete a promover e apoiá-las, por exemplo impedindo o desmatamento. "O valor disso é para a comunidade, não para o mundo", disse Duvelle.

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