Índice geral New York Times
New York Times
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Tendências Mundiais - Inteligência/Maxim Trudolyubov

Problemas maiores que Putin

A classe média russa quer romper o monopólio do poder

Moscou

Pela primeira vez, nos 12 anos desde que Vladimir Putin assumiu o poder na Rússia, surgiu algo que se assemelha a um diálogo entre a sociedade e o Estado. Não é uma negociação, é mais como um jogo de xadrez em que cada lado observa os movimentos do outro, esperando que o adversário pisque os olhos primeiro.

Depois de dois protestos maciços em Moscou, o último em 24 de dezembro, Putin concordou em restabelecer as eleições diretas para governadores, que havia abolido em 2004. Ele também iniciou uma campanha anticorrupção, de maneira branda, mas para alguém que sempre negou a existência do problema isto marca uma séria mudança de tom. Como as eleições regionais e a corrupção ocupavam o topo da agenda dos manifestantes, parece que desta vez Putin piscou.

Até recentemente, Putin podia ignorar a classe média russa, que era principalmente silenciosa. A classe média ainda é uma minoria, mas respeitável -de um quinto a um terço da população-, e embora seja fraca está encontrando sua voz agora. "Não é o tamanho do movimento que importa, mas a temperatura dos protestos. O volume da raiva tornou-se mais importante que o número dos raivosos", diz Alexander Rubtsov, um filósofo e analista político.

A raiva foi detonada principalmente pela decisão de Putin de disputar novamente a Presidência. A força motora do movimento frouxamente unido são profissionais com educação superior, em seus 40 anos. Eles sabem que se trabalharem duro suas vidas vão melhorar. Mas a esfera pública não os atende: eles sentem que por mais que trabalhem as escolas e os hospitais estão abaixo do padrão, as estradas continuam inadequadas e as cidades são desagradáveis. Essa nova classe média com mais poder acredita que poderia se sair melhor administrando seu país do que a atual elite, que deve seus cargos ao nepotismo praticado por Putin e seus parceiros.

Agora, todos os olhos estão postos em 4 de fevereiro, dia marcado para a próxima manifestação. Se o comparecimento for grande, haverá probabilidade de mais concessões. Se não, Putin provavelmente vai recuperar parte do terreno que cedeu.

No sistema atual, Putin pode se dar ao luxo de ser complacente. As regras do jogo, incluindo o sistema eleitoral, são direcionadas para o governo vigente. Os moradores das áreas rurais e das pequenas cidades temem perder o apoio financeiro dado pelo governo federal, por isso continuam a favor do regime. As grandes empresas, uma fonte potencial de financiamento de campanha, ainda estão sob firme controle do Estado. Figuras populares que poderiam apresentar um desafio sério a Putin, como o carismático político e blogueiro Aleksei Navalny, não estão sequer na disputa. A própria oposição não é unida; funciona mais como uma rede do que como um partido. É quase impossível imaginar Putin sendo derrotado na votação presidencial de 4 de março.

É importante compreender que o próprio Putin não é o maior obstáculo às mudanças na Rússia. Quando ele finalmente sair, seu legado será a mesma velha Rússia, um país com uma história complexa de reformas abortadas.

O fato de que um único político, um homem como Putin, possa vencer tão facilmente em um grande país com toda a sua riqueza e potencial humano é revelador sobre o estado das instituições russas. Se alguma força social -digamos, proprietários de terras, a igreja, os intelectuais, veteranos de guerra ou a comunidade empresarial- se tornasse forte o suficiente para exercer pressão sobre o governo central, os czares, os líderes comunistas ou presidentes a esmagariam. Durante séculos, os governantes russos reagiram aos choques com centralização política, escreve o economista sueco Stefan Hedlund em seu livro Russian Path Dependence.

"O principal desafio aos reformistas russos não está no reino da política econômica, mas sim na construção de instituições democráticas", escreveu Hedlund.

A classe média russa, que despertou de um longo sono, é o único grupo da sociedade que se dedica a romper o monopólio de poder que é a marca da classe governante russa.

Pela primeira vez em sua história, a Rússia tem uma força social que não depende do czar para seu bem-estar e que está disposta a fazer perguntas e exigências. Ainda assim, negociações diretas não começarão tão cedo, já que Putin reluta. Em seu entendimento, o Estado só pode ser um amo, nunca um servo. Os manifestantes precisam provar que estão comprometidos com o longo prazo e determinados a provar que Putin e seus antecessores erraram. Não está claro se estão prontos para fazê-lo.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.