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Análise

A perspectiva de um Irã nuclear

Por DAVID E. SANGER

WASHINGTON - A tensão nuclear já era bastante delicada na guerra fria. Mas pense no xadrez multipolar que o presidente Obama joga hoje. Todo país envolvido na disputa sobre a possível aquisição de armas nucleares pelo Irã está calculando como a eleição presidencial americana influencia em sua agenda. A política de aumento dos preços do petróleo paira sobre qualquer ameaça de conflito militar no estreito de Hormuz. E, com o turbilhão econômico global, e possíveis mudanças de liderança este ano nos EUA, Rússia, China e França, o jogo fica ainda mais complexo.

Começando pelos iranianos. Eles estudaram o exemplo da China - o presidente Lyndon B. Johnson foi aconselhado pelos falcões americanos nos anos 1960 a lançar um ataque militar contra a China. E o caso do Paquistão, que enfrentou severas sanções econômicas -instadas principalmente pelos EUA- por tentar obter a bomba. Mas, em ambos os casos, quando esses países realizaram um teste o mundo se adaptou à nova realidade.

Menos de meio século depois, a China é a segunda maior economia do mundo e ninguém mexe com ela. Assim que ocorreram os atentados de 11 de Setembro, as sanções contra o Paquistão desapareceram; de repente, os EUA valorizaram a cooperação na caçada à Al Qaeda.

"Na percepção dos iranianos, a vida pode parecer melhor do outro lado da nuvem de cogumelo", disse Ray Takeyh, um membro do Conselho de Relações Exteriores. Talvez ele esteja certo: enquanto o governo Obama prometeu que nunca vai tolerar um Irã nuclear, algumas autoridades admitem que talvez tenham de se acomodar a um Irã "com capacidade nuclear", tecnologia, combustível e experiência para se tornar uma potência nuclear.

Ninguém pode entrar na cabeça do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, mas Takeyh nota que seu padrão de comportamento na última década foi empurrar o programa nuclear à frente de maneira "sistemática mas cautelosa", até agora evitando grandes crises. Vários anos atrás, os aliados ocidentais disseram que o Irã não poderia continuar enriquecendo urânio; ele continuou. Então a "linha vermelha" foi traçada em torno de enriquecer em um nível muito maior de pureza, o que aproxima o Irã do combustível com grau de bomba. Mas o país vem fazendo isso há quase dois anos. E a última violação foi iniciar a produção em uma instalação subterrânea que é menos vulnerável a bombardeios.

Isso transfere o cálculo para Israel. O país costumava declarar que nunca permitiria que o Irã ultrapassasse "o ponto sem retorno", uma linha mal definida, além da qual poderia produzir rapidamente uma bomba. Existe um debate sobre onde se situa essa linha, mas autoridades de inteligência israelenses dizem que o Irã já a ultrapassou há muito tempo. Até agora, o premiê Benjamin Netanyahu foi contido pelos EUA, que defendem os ataques cibernéticos, sabotagens e sanções como eficazes para desacelerar o programa iraniano, sem causar comoção internacional.

Os iranianos sabem que têm pouco a ganhar em um confronto. Mas ameaças, ataques a refinarias e assédio aos navios podem fazer o preço do petróleo disparar, com consequências econômicas adversas para qualquer período eleitoral.

A instabilidade também assusta os chineses, mas dá uma oportunidade aos russos. Por anos, a China resistiu às sanções contra o Irã, já que compra muito petróleo desse país. Hoje, ela considera inevitável a escalada das sanções e busca fontes alternativas. A Rússia tenta ganhar tempo, mas, como um importante produtor de petróleo, beneficia-se de uma crise prolongada -desde que ela fique em fogo baixo. Os russos propuseram um extenso plano de negociação com o Irã, que levaria anos para ser concluído.

Depois há os países europeus e os árabes. Durante o governo Bush, eles temeram sanções mais firmes, convencidos de que se falhassem o presidente Bush ordenaria um ataque ao Irã. Hoje, depois de exatamente três anos de governo Obama, a situação se inverteu. A Europa finalmente está tão ávida por sanções quanto Washington; em 23 de janeiro a UE concordou em impor uma proibição em etapas às compras de petróleo do Irã. Os EUA não compram o produto há muitos anos, mas Obama quase propôs um embargo global total, que poderia levar a confrontos.

A linha agressiva assumida pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, e pela chanceler alemã, Angela Merkel, foi a surpresa no último capítulo da longa crise nuclear iraniana. Sua suposição é que, se o custo econômico for suficientemente alto, o "líder supremo" iraniano se dobrará. Poucos em Washington estão convencidos disso, mas deverão aceitar a ideia porque as alternativas são desagradáveis demais de se contemplar.

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