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A corrupção e Putin por um 'insider'

Por SCOTT SHANE

Sergei Kolesnikov é um biofísico de fala mansa que, no passado, imaginava que passaria toda sua vida trabalhando em um instituto militar secreto soviético, sem jamais sair da obscuridade.

Mas, quando o governo comunista caiu, ele se tornou empresário próspero e passou a fazer parte da teia capitalista clientelista que cercava Vladimir Putin. De acordo com seu próprio relato, esforçou-se com algum sucesso para reconstruir o primitivo sistema de saúde da Rússia.

Hoje, porém, ele é um denunciante foragido, que trabalha para expor a corrupção que acredita ter sido o fator definidor da era Putin.

É uma campanha pessoal de alto risco que Kolesnikov, 63, iniciou 13 meses atrás com grande alarde, publicando uma carta aberta ao presidente Dmitri Medvedev em que revelou a existência de um palácio de 1 bilhão de dólares no mar Negro que afirmou ter ajudado a construir para Putin em segredo. Os assessores de Putin negaram que ele tenha qualquer relação com o palácio, que pertence a uma empresa comandada por um velho amigo do líder russo.

Mas as perguntas não param de surgir: uma versão russa do WikiLeaks postou fotos espetaculares na web; ativistas e jornalistas russos que tentaram visitar o palácio disseram ter sido barrados por agentes de segurança, e a "Novaya Gazeta", o jornal russo mais crítico a Putin, divulgou ter obtido um contrato de 2005 comprovando que o gabinete do presidente russo esteve envolvido na construção. Em março, a mídia russa divulgou que o palácio teria sido vendido a outro amigo de Putin por US$ 350 milhões.

A essa altura Kolesnikov já tinha fugido da Rússia. Ele acabou por se fixar na Estônia e fornecer a jornalistas documentos que aparentemente comprovam o relato que fez sobre sua atuação em uma rede de negócios com supostas ligações com Putin. "Para mim, acho que é perigoso em todo lugar", falou Kolesnikov no mês passado, durante viagem aos EUA. "Mas, se fosse possível mostrar ao país inteiro a verdade sobre esse palácio e todas essas tramóias, Putin cairia em questão de duas semanas."

A agitação repentina na política russa, com dois grandes protestos anti-Putin realizados em Moscou em dezembro e em 4 de fevereiro, fizeram a cruzada de Kolesnikov parecer menos quixotesca. Ele disse que a Rússia está reagindo ao avanço da internet e dos smartphones com vídeo, que foi o que impeliu as revoltas da primavera árabe.

Kolesnikov abriu uma empresa de equipamentos médicos em 1989, e em 1991, segundo disse, Putin, então funcionário da prefeitura de São Petersburgo, convidou-o a criar uma "joint venture" com a cidade para importar e fabricar equipamentos médicos e reformar os hospitais decadentes da cidade. Chamava-se Petromed e teve bons resultados.

Depois de Putin ser eleito presidente, em 2000, um associado estreito dele propôs que a Petromed assumisse um papel curioso, mas de âmbito nacional. Seria pedido a oligarcas favoráveis ao governo que doassem grandes somas, valores esses que a empresa usaria para renovar e equipar hospitais, enquanto 35% dos lucros seriam desviados para outros investimentos.

Kolesnikov disse que se reuniu com Putin mais de uma dúzia de vezes, mas que normalmente discutia negócios com assessores dele. Com o tempo, ele disse, o tom de voz mudou. Os assessores começaram a aludir a seu chefe como "o czar" e a direcionar dinheiro à mansão no mar Negro, conhecida como "Projeto Sul".

Kolesnikov afirmou que parte do dinheiro, principalmente sob a forma de empréstimos, foi para companhias operadas por parentes ou amigos de Putin. Disse que, enquanto ele esteve envolvido no projeto, os custos dispararam, chegando a US$ 500 milhões.

Quando a recessão global chegou, em 2008, e o dinheiro ficou escasso, os associados de Putin teriam ordenado a Kolesnikov que gastasse todo o dinheiro no palácio. Ele protestou, redigiu sua carta e deixou o país.

Dmitri S. Peskov, o porta-voz de Putin, rejeitou o relato de Kolesnikov, dizendo que este deixou a Rússia porque brigou com seus sócios sobre dinheiro roubado da companhia. Peskov chamou de "absurdas" as alegações.

Kolesnikov diz que quer retornar à Rússia assim que for seguro. E ele descarta a possibilidade de exercer um papel político no país. "Já estou velho", disse ele. "É preciso haver líderes políticos novos, jovens. Cabe a nós ajudá-los."

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