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Arte de excêntrico recluso é escavada

Combatendo a tirania da linguagem com dinossauros

Por RANDY KENNEDY

Uma pergunta era repetida em voz baixa no mundo das artes de Nova York nos anos 1980 e 1990: "Você já foi à Battle Station?".

O célebre loft em TriBeCa, em Manhattan, onde o artista e músico Rammellzee viveu e trabalhou, praticamente isolado entre um matagal de pinturas cósmicas, esculturas militarizadas de plástico e figurinos semelhantes aos de samurais, era como uma sociedade secreta em que grafites, hip-hop e ficção científica eram fundidos para criar uma nova e estranha categoria artística. Mas Rammellzee abria as portas do lugar raramente, até morrer, em 2010, aos 49 anos, de doença cardíaca.

"Levei George Clinton e Bootsy Collins para a Battle Station pela primeira vez. Eles saíram se sentindo como se tivessem tido um contato imediato", contou o produtor musical Bill Laswell.

Pouco depois dos ataques de 11 de Setembro, o prédio em que ficava a Battle Station foi vendido para dar espaço a apartamentos de luxo, e Rammellzee e sua esposa, Carmela Zagari, se mudaram para um lugar menor e mais convencional em Battery Park City. Quase 20 anos de trabalhos de sua arte obsessiva foram colocados em um guarda-móveis.

Mas alguns dos trabalhos estão começando a reaparecer. Uma recriação da Battle Station, com luz negra e aparência de bunker, foi um dos elementos mais comentados de "Art in the Street", uma mostra de grafites promovida no ano passado no Museum of Contemporary Art de Los Angeles.

Em 8 de março, a Suzanne Geiss Company, uma galeria nova no SoHo, abriu sua mostra inaugural, suspendendo dois conjuntos de trabalhos que Rammellzee chamava de "letter racers" (corredores de letra). São esculturas que lembram naves espaciais e que representam as letras, de A a Z, feitas de pedaços e resquícios de artigos de consumo como óculos de sol, carrinhos de brinquedo, guarda-chuvas baratos, canetas Bic e tampas de desodorantes.

O único outro conjunto completo dos corredores, feito de madeira pintada de dourado e pedaços de bonequinhas Kewpie e dinossauros de plástico, está no Museum of Modern Art de Nova York, até 14 de maio, na mostra "Printin'".

As esculturas já começaram a remodelar a reputação de um artista visto pelo mundo das artes inicialmente mais com curiosidade que com interesse sério.

Rammellzee foi um artista do hip-hop? Na década de 1980, ele foi um MC de renome e seu single de 1983 "Beatpop", feito com K-Rob, virou um marco do hip-hop; sua capa foi criada por Jean-Michel Basquiat, amigo de Rammellzee.

Ele foi mais importante como fonte de inspiração para outros e criador de um cenário? Ele é retratado em pinturas de Basquiat, mais memoravelmente em óculos de sol enormes em "Hollywood Africans". E roubou a cena numa ponta no filme "Estranhos no Paraíso" (1984), de Jim Jarmusch.

Ou foi principalmente um artista cujo movimento frenético de extrapolação de gêneros e estilo visual altamente excêntrico obscureceram sua seriedade? Seus primeiros trabalhos foram vendidos muito bem a colecionadores europeus durante alguns anos. Mas, quando a Battle Station foi desmontada, acontecia de suas obras serem transportadas pela rua na traseira de uma picape, como Zagari recordou, "com crianças assistindo a tudo e dizendo 'mãe, venha ver, estão jogando fora um monte de brinquedos'".

Rammellzee nunca facilitava as respostas. Seu nome faraônico, que ele criou quando era adolescente, não era um nome, ele dizia, e sim uma equação matemática.

Ele afirmava que o objetivo real de seu trabalho era ilustrar uma filosofia dual chamada futurismo gótico e panzerismo ikonoklast, no qual se imaginava um mundo em que as letras romanas, atendendo a um comando dele, se armariam e se libertariam das estruturas de poder da linguagem europeia.

O cineasta e estudioso de grafites Henry Chalfant explicou: "Ele achava que mesmo hoje, se você controla a linguagem, controla o discurso, controla o poder".

A ideia de Rammellzee de que seus modelos poderiam ser paradigmas de veículos militares era tão forte que ele temia que o governo impedisse-o de trabalhar ou o recrutasse à força.

De acordo com Chalfant, embora Rammellzee operasse "à distância da realidade terrena atual", nunca chegou a perder contato com essa realidade.

Uma resenha publicada na "Artforum" em 1987 captou o enigma de Rammellzee: "A integralidade de sua invenção conceitual nos leva a indagar se o sentido é de fato decifrável e se, talvez, não será nossa ignorância que faz com que tudo soe como sem sentido". Como parte de sua filosofia, Rammellzee criou figurinos complexos, um para cada um dos 22 personagens cósmicos que idealizou. Fogos de artifício podiam ser disparados dos figurinos. E um pesava 68 quilos.

"Ninguém sabia de onde ele tirava suas ideias", disse Stephen Torton, que foi assistente de Basquiat. "Até hoje não estou inteiramente certo de que ele tenha sido uma pessoa de verdade."

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