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JOSÉ ANTONIO ABREU

Um venerado sacerdote da educação musical

POR DANIEL J. WAKIN

CARACAS, Venezuela - Passando lentamente por uma multidão entusiasmada, o frágil idoso acariciou uma bochecha, atirou um sorriso e parou afetuosamente junto aos membros de um coral composto por jovens com deficiências.

Para quem viu João Paulo 2° em seus últimos anos de pontificado, foi uma cena familiar.

Mas no mês passado, no Teatro Teresa Carreño, o centro das atenções não era um papa. Era José Antonio Abreu, fundador e diretor do programa de educação musical El Sistema, apresentando suas orquestras.

A Venezuela não é um país particularmente católico e seus músicos de primeiro escalão não exibem sinais de carolice. Mas o projeto El Sistema, sob o comando do devoto Abreu, possui características de uma igreja. Uma boa parte do seu sucesso pode se dever a tal perfil, ou pelo menos ao foco na difusão do evangelho da ação social por meio da música.

O programa El Sistema absorve milhares de jovens venezuelanos, oferecendo uma intensa formação musical como antídoto para os males da pobreza, uma realidade apesar da riqueza petrolífera da Venezuela.

Segundo Abreu, o programa funciona contra a violência. "Quando nos apresentamos no exterior, somos mensageiros da paz, mas também da justiça social", afirmou. Abreu não se abalou ao ser lembrado de que a Venezuela é uma das mais violentas sociedades do mundo. A violência é um problema global, disse. "Orquestras e corais são instrumentos incrivelmente eficazes contra a violência", afirmou.

Nos últimos anos, o programa El Sistema também passou a produzir músicos talentosos, que agora disputam os palcos internacionais. Maestros e instrumentistas profissionais do mundo todo já criaram programas inspirados na iniciativa El Sistema.

Abreu é tratado por seus simpatizantes como um pai, um santo, um visionário, um filósofo ou, com mais frequência, simplesmente um maestro. Tudo começou em 1975, quando ele reuniu 11 jovens músicos em uma garagem. A maioria daqueles fundadores permaneceu. O programa perpetua-se: ex-alunos talentosos passam a gerir centros musicais, chamados "núcleos", ou lecionam nesses lugares.

"El Sistema é uma forma de vida para centenas de milhares de pessoas na Venezuela, na região e, posso dizer, no mundo", afirmou a regente venezuelana de corais Maria Guinand.

Abreu e seu círculo íntimo são evangelizadores persistentes. "É importante que o nosso princípio de ação seja conhecido não só na Venezuela como na América Latina e no mundo inteiro", disse ele em entrevista no mês passado. "Precisamos ser mensageiros", afirmou, sobre a "missão social da arte".

"Tenho dedicado todos os meus esforços para que os mais pobres, os mais excluídos, tenham acesso à educação musical", acrescentou.

Abreu, 73, é formado em teclado e composição e estudou regência. Seguiu uma carreira paralela como economista e foi parlamentar, consultor econômico e ministro da Cultura em governos anteriores do país. É solteiro e leva uma vista ascética. Em declarações citadas na obra "A Venezuela Abarrotada de Orquestras", história oficial do programa, Abreu se descreve como um católico devoto, "um sacerdote, um humilde servo de Jesus Cristo", que aspira a ser "um servo ideal, nobre e invencível de Deus".

Ricamente financiado pelo governo, o projeto El Sistema tem 280 centros e 310 mil alunos, em quase 500 orquestras e conjuntos. Grande parte do sucesso deve-se à habilidade de Abreu ao lidar com sucessivos governos. O Banco Interamericano de Desenvolvimento já concedeu à Venezuela um empréstimo de US$ 150 milhões para contribuir com a manutenção dos centros.

Enquanto isso, com a expansão da sua influência na cena internacional da música clássica, astros recém-formados se mantêm firmemente ligados ao projeto, voltando com frequência para reger e ensinar. "É algo ético", disse Manuel López-Gómez, talento da batuta com uma florescente carreira internacional. "Temos de ajudar a próxima geração."

"Tenho dedicado todos os meus esforços para que os mais pobres, os mais excluídos, tenham acesso à educação musical."

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