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Ensaio

ALASTAIR MACAULAY

Na Índia, um povoado quer manter um estilo de dança

NRITYAGRAM, Índia - Uma visita de quatro semanas à Índia me fez sentir que agora já vi a dança em um lugar onde ela é verdadeiramente fundamental para uma cultura.

Na utopia disciplinada de Nrityagram, povoado situado a uma hora de carro a oeste de Bangalore e totalmente dedicado à dança, não é incomum que as pessoas dancem de manhã, à tarde e à noite, geralmente com música ao vivo.

A companhia do vilarejo, a Nrityagram Dance Ensemble, dirigida por Surupa Sen, é um exemplo magnífico do odissi, uma das danças clássicas da Índia. Passei quatro dias no povoado, observando a companhia preparar-se para uma turnê no exterior que fará neste mês e que vai incluir escalas em Nova York, Louisiana, Iowa e México. Em abril, a companhia fará workshops no Mark Morris Studio, no Brooklyn.

As viagens da empresa ao exterior ajudam a manter o povoado financeiramente estável. Nrityagram foi fundado em 1999 como gurukul (aldeia residencial de estudos) pela atriz Protima Bedi, uma grande expoente do odissi.

A Índia possui nada menos que oito estilos de dança oficialmente considerados clássicos. Mas a complexa história política e social do país levou a maioria desses estilos à quase extinção na década de 1950. A maioria das danças estava ligada às "devadasis", uma casta legendária e hoje virtualmente extinta de dançarinas de templos. Algumas delas eram concubinas, algumas faziam voto de castidade e ainda outras eram prostitutas.

Embora esses estilos de dança tenham voltado a ganhar presença, foram extensamente reconstruídos no século passado. Para os indianos, o classicismo está estreitamente ligado ao espírito de independência nacional e ao orgulho dos diferentes Estados do país. É também uma maneira de restabelecer o contato com uma tradição que já existia antes das invasões coloniais ocidentais.

A dança odissi nasceu no Estado de Orissa, na costa leste da Índia, e alguns puristas desse Estado dizem que Nrityagram distancia o estilo de sua cultura original. A verdade, porém, é que a origem do povoado coincidiu com a disseminação mundial da odissi como cultura de dança.

O que há de especial nessa dança? Suas características mais singulares são os movimentos sensuais em que as dançarinas deslocam seu peso (criando várias curvas a partir dos joelhos, do torso e do pescoço), o fraseado rítmico e a ligação com esculturas de dança da antiguidade. Como muitos dos estilos de dança do Sudeste Asiático, a odissi é derivada do Natya Shastra, tratado sobre as artes cênicas escrito entre 200 a.C. e 200 d.C.

Mas esta dança antiga é também uma dança nova. Algumas de suas características básicas foram codificadas apenas na memória viva e ainda são temas de discussão.

A extensão e a beleza do odissi sem dúvida alguma justificam que o estilo seja considerado clássico. Como vários outros estilos clássicos na Índia, o odissi possui grande capacidade de forma pura (nritta) e expressão poeticamente dramática (abhinaya). Em Nrityagram, nas partes de abhinaya, é fascinante observar a mobilidade facial das dançarinas e sua profunda comunicabilidade gestual.

A produção que está prestes a sair em turnê é um projeto conjunto que reúne dançarinos e músicos de Nrityagram com um guru, coreógrafo, percussionista e duas dançarinas da Companhia de Dança Chitrasena, de Colombo, Sri Lanka (as danças "kandyanas" de Sri Lanka, apresentadas pelas dançarinas do Chitrasena, formam mais um dos muitos gêneros do subcontinente indiano). Intitulado "Samhara", o espetáculo é um diálogo sutil entre os dois estilos. As dançarinas de Nrityagram aludem à companhia Chitrasena como a contraparte masculina do estilo odissi.

As duas bailarinas de Sri Lanka que participam do projeto são jovens belas, esbeltas e de pernas e braços longos. Mas a diferença entre a linguagem delas e a de Nrityagram não demora a se evidenciar. As mulheres do grupo Chitrasena cobrem muito mais espaço que as dançarinas de odissi, tanto no levantar vertical fácil de seus membros quanto em seus deslocamentos horizontais. Elas exibem poucas das curvas horizontais arrebatadoramente sensuais que são fundamentais no odissi. E demonstram seu entusiasmo facial com sorrisos largos, enquanto as dançarinas de Nrityagram, como é o caso na maioria dos estilos clássicos indianos, conservam a compostura facial em trechos de dança pura. E, enquanto as dançarinas de odissi usam uma corrente de sinos que dá três voltas em seus tornozelos, as de Chitrasena usam tornozeleiras de bronze com sinos, presas ao tornozelo e ao segundo dedo do pé.

Um observador ocidental acha que tudo na dança indiana pertence ao "outro". Mas a dança indiana contém múltiplos "outros".

As danças indianas multiplicam os dualismos: elementos masculinos e femininos, qualidades esculturais e sinuosas, forma abstrata e mímicas, movimento e descanso. Os contrastes no interior do idioma garantem infinita expressividade.

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