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Inteligência/Roya Hakakian

Cadê o Movimento Verde do Irã?

O Irã parece ter perdido a Primavera Árabe que está varrendo a região. Ou talvez o país esteja experimentando o fim do longo inverno teocrático que está prestes a cobrir seus vizinhos. Ninguém conhece melhor que os iranianos o que impede o derretimento do gelo. O desafio é levar os religiosos de volta à mesquita, rejeitar o líder sem rejeitar o islã.

No tumulto que varreu o Irã de meados de junho a agosto de 2009, eu estive em um estado que um psiquiatra teria diagnosticado como "hipnotizada". O sono, se e quando vinha, era tudo o que interrompia meu olhar fixo em várias telas: laptop, televisão e celular. A revolução, esse acontecimento há muito esperado, que se aproximava desde 1979 para restaurar a anterior, roubada, parecia finalmente ter chegado ao Irã. Eu não estava eufórica como esperava, mas dominada pela maré de 32 anos de emoções acumuladas dentro de mim.

Poucos tinham previsto o Movimento Verde pró-democracia, nascido dos protestos de massa depois da polêmica eleição presidencial. De fato, o ativismo político havia sido proibido durante anos dentro da diáspora iraniana. Em vez disso, comemorações "culturais" eram a moda. Mas a súbita explosão de um milhão de jovens nas ruas redefiniu o antiquado como moderno.

A cultura abandonada, antes esquecida e da noite para o dia transformada em ativismo não violento. Semanas depois, quando o movimento fracassou, as pessoas da diáspora se perguntavam o que havia dado errado. Alguns culpavam pelo fracasso a falta de uma liderança sólida, embora o sucesso de outros movimentos, como os da Tunísia e do Egito, fosse creditado a uma liderança difusa. Outros acusavam os Estados Unidos por demorarem a apoiar o movimento, embora não esteja claro o que esse apoio poderia ter feito, além do simbolismo moral. Alguns pensaram que a falta de trabalhadores no movimento e a falta de uma greve geral significavam um lapso na organização e comunicação -tudo de que o movimento realmente precisava era de uma internet aberta, uma conexão de celular à prova de tiranos para unir a nação.

Mas o desaparecimento de um movimento robusto foi o resultado de fracassos maiores que essas justificativas. Algo mais profundo esteve em ação, algo no coração da psique iraniana que fez os milhões recuarem em poucas semanas.

Não se passou tempo suficiente desde 1979, ano que inverteu a trajetória histórica do Irã. Os iranianos temem ir às ruas como fizeram contra o xá Mohamed Reza Pahlevi, para não se tornarem os catalisadores do empoderamento de outra classe maliciosa em seu desejo de criar uma ordem social mais livre.

Ainda estão frescas as feridas físicas e metafóricas de uma guerra de dez anos com o Iraque, que só terminou em 1988. E, com quase um milhão de mortos ou feridos em uma das guerras mais sangrentas e longas do século 20, sua visão do sacrifício humano em prol de um país não é mais romântica.

Direção e convicção também faltaram entre os manifestantes de 2009. Isto talvez não parecesse tão óbvio se eu não tivesse vivido a revolução precedente. Lembro-me de uma manhã fria em dezembro de 1978, quando um pedestre espirrou e outro, em vez de "saúde", disse "maldito seja o xá!" Naquele inverno, se os passageiros de um táxi fossem incomodados por um buraco na rua, os Pahlevi eram amaldiçoados.

A dinastia governante era o que atrapalhava o caminho da prosperidade nacional. Os grandes títulos do xá tinham sido reduzidos a um único apelido, uma zombaria de sua característica imperfeita: "Mohamed, o nariz". Ele foi denunciado como o demônio, após cuja partida chegaria o anjo, o aiatolá Ruhollah Khomeini.

Desta vez, os ativistas verdes, especialmente as mulheres, produziram imagens fortes. "Onde está meu voto?" foi o slogan nas primeiras 48 horas depois que a eleição foi roubada. Mas, quando ficou claro que os votos perdidos não seriam "encontrados", os manifestantes não tinham slogans próprios, somente os que o aiatolá inventara 30 anos antes. Os manifestantes subiram mais uma vez aos telhados e entoaram, em coro, "Allahu akbar".

Parecia uma tática inteligente combater os tiranos de hoje com os mesmos slogans que os trouxeram ao poder. Mas a ideia mostrou-se uma referência vazia. As pessoas ainda precisavam pôr de lado os fundamentos de 1979, os princípios que o aiatolá tinha implementado.

O líder supremo de hoje, aiatolá Ali Khamenei, nunca foi despido de seu poder simbólico. Sua legitimidade foi questionada, mas o papa dos xiitas, cujo braço direito está paralisado, nunca foi reduzido a "Ali, o aleijado".

Como o xá do Irã, imagens de Zine el Abidine Ben Ali da Tunísia e Hosni Mubarak do Egito estavam tão embaralhadas com o Ocidente que ao se rebelar contra esses governantes cada país encenou um confronto com o mundo ocidental. Um importante intelectual iraniano dos anos 1970 chamou isso de exorcismo da "ocidentoxicação".

Nos meses que conduziram aos levantes de 1979, mulheres iranianas leigas foram convencidas a usar o véu até que a vitória da revolução fosse completa. Comunistas levantaram a imagem do aiatolá durante demonstrações como uma expressão nacional de autenticidade e soberania. Assim o gênio foi libertado.

O desafio que o Movimento Verde do Irã enfrenta não é uma falta de vontade de derrubar o regime. É em grande parte definir uma nova identidade nacional que não dependa do islamismo como selo de autenticidade. Como o Egito, a Tunísia e a Líbia inevitavelmente farão, o movimento democrático do Irã tenta aprender a se erguer sobre pernas seculares.

Roya Hakakian é autora de dois livros de poesia em persa. Seu mais recente livro em inglês, sobre o assassinato em 1992 de líderes curdos e iranianos em Berlim, é "Assassins of the Turquoise Palace" ["Assassinos do Palácio Turquesa"]. Envie comentários para intelligence@nytimes.com

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