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China endurece repressão e tibetanos protestam com fogo

Por ANDREW JACOBS

MAQU, China - A paixão de Tsering Kyi por aprender parece ter-se transformado em desespero, quando uma escola na Província de Gansu, perto do Tibete, mudou sua língua de ensino do tibetano para o chinês, o que provocou protestos em toda a estepe. Em 3 de março, Tsering Kyi, 20, saiu de um banheiro público em um mercado de produtos agrícolas da cidade, com seu corpo magro envolto em cobertores embebidos em gasolina, disseram parentes e moradores locais.

Em um instante, ela estava em chamas, com o punho erguido em desafio, antes de cair no chão. Ela morreu no local. Durante o último ano, 29 tibetanos, 7 deles nas últimas semanas, escolheram a autoimolação em protesto contra as políticas chinesas. Desses, 22 morreram. Além disso, em 26 de março um exilado tibetano de 26 anos se sacrificou e ficou gravemente queimado em Nova Déli antes de uma visita do presidente chinês, Hu Jintao.

Pequim, alarmada diante da ameaça à estabilidade em uma região que fervilha de descontentamento com os controles religiosos e culturais, reagiu com uma série de medidas duras. As autoridades descreveram os autoimoladores como párias e terroristas, culparam a influência perniciosa dos exilados tibetanos e inundaram a região com postos de controle e policiais paramilitares.

Os líderes do Partido Comunista também adotaram um plano de "administração monástica" para controlar mais diretamente a vida religiosa. Como parte desse plano, 21 mil membros do partido foram enviados para comunidades tibetanas com o objetivo de "fazer amizade" com os monges -e armar dossiês sobre cada um deles. Os religiosos submissos são recompensados com tratamentos de saúde, aposentadorias e televisores; os recalcitrantes são expulsos dos mosteiros.

Em alguns templos, monges e freiras foram obrigados a denunciar o dalai-lama, o líder espiritual exilado cujo nome é muitas vezes invocado por autoimoladores. A liberdade de movimento que permitiu que os monges estudem em todo o Tibete e quatro Províncias adjacentes foi limitada.

"Eles alegam que somos livres para praticar nossa religião, mas puxam cada vez mais as rédeas e mal podemos respirar", disse um monge de 22 anos na Província de Qinghai, que como muitos mantém em seu quarto imagens proibidas do dalai-lama.

Autoridades anunciaram a nova abordagem, que inclui a distribuição de um milhão de bandeiras nacionais e retratos de Mao Tse-tung -com a exigência de que sejam expostos em casas e mosteiros.

Robert Barnett, diretor de estudos modernos do Tibete na Universidade Columbia em Nova York, disse que a abordagem intrusiva do governo nos mosteiros, o centro da sociedade tibetana, é uma inversão das políticas de administração dos anos 1980. "A história sugere que é improvável que dê certo", disse.

Desde meados de março, vários protestos irromperam, incluindo dois na Província de Qinghai que foram liderados por estudantes revoltados contra a adoção de livros de texto em chinês. Em janeiro, grupos no exílio disseram que 31 pessoas foram alvo de tiros, pelo menos uma fatalmente, quando a polícia abriu fogo contra manifestantes na Província de Sichuan.

A inquietação percorre a história moderna do Tibete desde 1959, quando o dalai-lama fugiu para a Índia depois de uma rebelião fracassada. Entre 1987 e 1989, a região foi abalada por protestos que foram brutalmente detidos. A repressão mais recente começou em março de 2008, quando tumultos em Lhasa, a capital tibetana, levaram à morte de 19 pessoas.

Estudiosos tibetanos e exilados dizem que a atual campanha de resistência é diferente de tudo o que já se viu. A tática -suicídios públicos entre chamas- comoveu profundamente os tibetanos comuns e atemorizou as autoridades chinesas. Igualmente significativo, é que os manifestantes são na maioria jovens -quase todos tinham menos de 30 anos de idade.

Em entrevistas com duas dúzias de monges e tibetanos comuns em Qinghai e Gansu, muitos disseram que esperam que os suicídios e os protestos continuem se espalhando além de Aba, o município na Província de Sichuan onde ocorreu a maioria das autoimolações.

"Por fora tudo parece muito bonito aqui, mas por dentro todo mundo está fervendo", disse um lama em um mosteiro em Rebkong. O monge, que pediu anonimato, disse que os lamas devem frequentar aulas de "educação patriótica" que são propaganda pró-governo. "Eu não quero problemas com as autoridades, mas não consigo mais controlar a raiva deles", disse sobre os monges.

Muitos monges tibetanos não conseguem obter passaportes e dizem que os chineses da etnia han, que superam em muito o número de tibetanos na região, os tratam com desprezo.

"Não podemos sequer falar à vontade ao telefone porque a polícia está escutando", disse um homem de 39 anos. Ele descreveu como a polícia invadiu o complexo do mosteiro tarde da noite e prendeu pelo menos 180 monges.

Eles foram libertados mais tarde, mas Labrang, um dos mais importantes centros do budismo tibetano, mudou. Câmeras de vigilância estão penduradas nos tetos de templos sagrados e policiais à paisana se misturam aos fiéis. "Eles não nos enganam, porque seguram o terço com a mão direita e todo tibetano sabe que deve segurá-lo com a esquerda", disse um monge.

Colaborou Shi Da, com pesquisa

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