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Crime ganha rosto e identidade no México

Por DAMIEN CAVE

ECATEPEC, México - Quando os moradores desta cidade industrial pobre olham para os morros, eles agora veem os rostos de vítimas da criminalidade que lhes olham de volta. Enormes retratos fotográficos recobrem casas de concreto, como parte de um projeto comunitário de arte que capta uma obsessão no México: a visualização das vítimas. Ou, de modo mais amplo, um esforço para converter cifras frias de vítimas em pessoas reais outra vez.

"Muitas vezes falamos apenas em termos de números", explicou Marco Hernández Murrieta, presidente da Fundação Murrieta, que organizou o projeto fotográfico aqui em um subúrbio da Cidade do México. "Agora, estamos atribuindo rostos às estatísticas."

Outros grupos vêm dando vozes às vítimas em vídeos com atores famosos, como Diego Luna, representando mexicanos que perderam entes queridos para a violência do narcotráfico ou abusos dos direitos humanos. Contas no Twitter como @Tienennombre dão nomes aos mortos, em muitos casos acrescentando suas idades e outros dados pessoais.

Esses esforços revelam mais do que apenas a frustração com a insegurança crescente no país. Especialistas e ativistas dizem que representam um grito de ultraje com a impunidade e a falta de transparência que conservam os mexicanos no escuro, muitas vezes incapazes de distinguir os culpados dos inocentes. Contudo, enquanto exemplos anteriores de defesa de vítimas na América Latina foram voltados principalmente contra governos, muitos dos chamados visualizadores de vítimas no México afirmam estar mais interessados em mudar a mentalidade de seus vizinhos.

Suas campanhas são sobretudo tentativas de criar uma consciência pública, de impedir as pessoas de cometer ou aceitar a violência, fazendo-as sentir o sofrimento decorrente da criminalidade -em grande parte via esforços compartilhados facilmente nas mídias sociais ou pelo boca a boca.

Na realidade, o projeto de Ecatepec foi inspirado por um astro das ruas e da internet: o fotógrafo francês conhecido como JR, que exibe retratos enormes sobre prédios e em espaços públicos. Alguns anos atrás, JR expôs fotos do tamanho de outdoors de jovens moradores da periferia de Paris. Mais tarde, no Oriente Médio, colou retratos de palestinos e israelenses juntos nos dois lados dos muros que os dividiam.

O processo no México foi mais coletivo. A Fundação Murrieta deu aulas de fotografia a jovens de bairros pobres e recrutou vítimas de crimes para seus trabalhos. As "vítimas" receberam uma definição ampla. Ao lado de pessoas que tinham testemunhado assassinatos em primeira mão, perdido familiares ou sido vítimas de crimes violentos, a categoria abrangeu dependentes de drogas, as namoradas de criminosos e um idoso que temia não poder ver seu filho encarcerado antes de morrer. As histórias dessas pessoas foram reunidas em uma compilação de testemunhos, com seus nomes omitidos por segurança.

Hernández descreveu o projeto como prevenção da criminalidade por meio da arte. Falando ao lado de uma foto de uma jovem mulher com lábios carnudos e olhos intensos, disse que sua esperança é que as imagens levem pessoas que estiverem cogitando em cometer um crime a repensar e que levem mexicanos a cobrar uma mudança de atitude por parte de amigos ou parentes envolvidos em gangues ou no tráfico de drogas.

Mas será que conversar e compartilhar são o suficiente no México (democracia complicada que sempre mostrou preferência histórica pela estabilidade, em vez de reformas)?

O poeta e ativista mexicano Homero Aridjis disse que se sentiu encorajado pela emoção que emana das "credenciais de sangue". "Mas o que precisamos neste país é transparência judicial", declarou. "A única esperança é reformar o Judiciário."

Sem mudanças institucionais, disse ele, a popularização da vítima pode levar a mais problemas, não menos, na medida em que as pessoas se sentem incentivadas a agir como justiceiras. "É preciso tomar cuidado para que as vítimas não virem inquisidoras."

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