Texto Anterior
|
Próximo Texto
| Índice | Comunicar Erros
Divisão racial na Cidade do Cabo Com outros em controle, negros se sentem excluídos Por LYDIA POLGREEN CIDADE DO CABO - Para incontáveis visitantes, a Cidade do Cabo é um símbolo indelével das belezas e promessas da África do Sul após o "apartheid". Além do magnífico cenário e dos grandes vinhos, o próprio logotipo da cidade -o perfil da majestosa montanha da Mesa superposto a um arco-íris- enfatiza sua mistura histórica de raças e culturas. E o seu mais famoso morador, Desmond Tutu, é reverenciado como um símbolo de tolerância, inclusão e perdão. Mas, para muitos sul-africanos negros, esta cidade representa algo diferente: o último bastião do domínio branco. "Não importa quão famoso/rico vc seja, vc ainda é um cidadão de segunda classe se vc é negro na Cidade do Cabo", escreveu no Twitter a cantora Lindiwe Suttle, em desafio a Helen Zille, a líder branca do partido que governa a cidade. Depois de a mensagem atrair o apoio de celebridades negras e outras pessoas, Zille reagiu: "Que completo disparate". A batalha do Twitter, ocorrida há alguns meses, motivou uma reflexão nesta cidade de 3,5 milhões de habitantes, no sul da África: será que o celebrado arco-íris desta nação termina onde a montanha encontra o mar? Esta é a única metrópole da África do Sul onde os negros não são maioria e ela continua profundamente dividida: os brancos no centro e nos bairros mais próximos, ao lado da montanha, os não-brancos nos distantes subúrbios de Cape Flats. As políticas do "apartheid" davam aos chamados "coloreds" (mestiços), maior grupo étnico da cidade, a prioridade no acesso a empregos e moradias. O Cabo Ocidental é a única das nove províncias sul-africanas que não é governada pelo CNA (Congresso Nacional Africano). A província é dirigida pela AD (Aliança Democrática), de Zille, que surgiu do movimento branco contra o "apartheid", mas incluiu remanescentes do antigo Partido Nacional, que instaurou o regime segregacionista. Em discurso no ano passado, o presidente Jacob Zuma, do CNA, disse que a cidade tinha um "sistema extremamente de 'apartheid'", segundo os jornais. A AD apontou nessa crítica uma manobra eleitoreira do CNA para conquistar a província. "Ela está rotulada como cidade racista pelo CNA porque é a única metrópole do país que eles não controlam", disse Patrícia de Lille, prefeita da Cidade do Cabo. A prefeitura está empenhada em alterar o que De Lille chama de "desenvolvimento espacial do 'apartheid'". Duas importantes alamedas foram rebatizadas em homenagem a Nelson Mandela, primeiro presidente negro do país, e Helen Suzman, ativista branca que foi ardorosa opositora do "apartheid". Mas um estudo concluído em dezembro de 2010 pela Universidade da Cidade do Cabo mostrou que a população negra vê poucas oportunidades econômicas para si na cidade. A sondagem concluiu que, no Cabo Ocidental, "os africanos [negros] são quase sempre menos bem-sucedidos que os brancos em ascender nas carreiras, criando um efeito de 'teto de ébano'". Muitas praias da costa atlântica, que antes proibiam o acesso de negros, ainda tendem a atrair quase que exclusivamente os brancos, reforçando a divisão. "Odeio ir a Camps Bay porque todo mundo é branco", disse Yoliswa Dwane, referindo-se a um luxuoso bairro da orla. Alguns negros se queixam de ouvirem dos atendentes e vendedores que não havia mesas em um restaurante vazio ou que faltavam carros numa bem abastecida locadora de veículos. Outros dizem que foram alertados por vizinhos brancos a não abaterem animais para festas ou que uma negra foi confundida com uma prostituta apenas por beber num bar com o restante da clientela branca. E, numa cidade de amplas desigualdades econômicas, a questão de classe de certa maneira substitui a racial. O jornalista Osiame Molefe escreveu recentemente sobre ter sido barrado em uma casa noturna. "Na terceira (e última) vez em que fui barrado na Asoka, um bar e 'lounge' na rua Kloof, um representante do estabelecimento escreveu: 'Posso lhe informar que a Asoka não tem uma política racista de acesso! Seremos os primeiros a admitir que a nossa política se baseia em classe e superficialidade -infelizmente, é isso que nossa clientela regular espera e deseja. E, realisticamente, essa é a lamentável realidade da sociedade na qual vivemos!'." Resta saber exatamente o que determina a "classe". Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |