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Vírus que assassinam tumores

Por RACHEL NUWER

No início do século 20, não havia muito a fazer pelos pacientes com câncer. A não ser que fosse possível extirpar cirurgicamente o tumor, a doença costumava prenunciar um fim rápido e inevitável. Mas, em dezenas de casos publicados ao longo dos anos, os médicos notaram uma tendência peculiar: os pacientes com câncer tinham um breve alívio quando contraíam uma infecção viral.

Não era coincidência. Os pesquisadores descobriram que vírus comuns eventualmente atacam células tumorais. Há décadas, eles tentam aproveitar isso num tratamento contra o câncer. Agora, após inúmeros fracassos, eles estão se aproximando do sucesso com vírus geneticamente modificados para matar o câncer.

"É um momento muito animador", disse Robert Martuza, neurocirurgião do Hospital Geral de Massachusetts. "Acho que vai funcionar em algum tumor, com algum vírus." Já há candidatos em testes avançados.

As células cancerosas se reproduzem descontroladamente, mas não conseguem se proteger tão bem de infecções quanto as células saudáveis. Assim, os cientistas procuram maneiras de criar vírus que sejam fortes a ponto de destruir as células tumorais, mas não de atacar as células saudáveis.

As pesquisas começaram em 1904, quando se descobriu que mulheres com câncer de colo do útero se recuperavam temporariamente ao tomarem vacina antirrábica. Em meados do século, os médicos já administravam vírus vivos aos pacientes com câncer.

Mas o câncer voltava ou as próprias injeções causavam "o desenvolvimento de infecção letal no hospedeiro", segundo um artigo de 1964 publicado na "American Journal of Pathology". O campo foi abandonado durante um tempo. Em 1991, Martuza abraçou a ideia de usar o vírus do herpes simples (HSV-1) contra o câncer. O genoma do HSV-1 é comparativamente grande para acomodar diversas mutações e deleções. Martuza enfraqueceu o vírus retirando alguns dos seus genes. O vírus modificado foi injetado em ratos com câncer cerebral e causou a remissão. Mas a maioria dos ratos morreu de encefalite.

Em 1990, Bernard Roizman, virologista da Universidade de Chicago, já tinha encontrado um "gene mestre" no vírus do herpes. Quando o gene é retirado, o vírus não tem força para dominar as células saudáveis. Na verdade, o vírus fraco só conseguia desacelerar o crescimento do tumor.

Então, em 1996, o virologista Ian Mohr, da Universidade de Nova York, encontrou uma maneira de alterar mais o vírus defeituoso de Roizman. Ele o expôs repetidamente a células cancerosas, até que um novo mutante viral evoluiu, com capacidade para se replicar nessas células. Mohr e o doutorando Matt Mulvey desenvolveram uma forma de o vírus burlar o sistema imunológico, tornando-o ainda mais potente como agente anticâncer.

Ao contrário da quimioterapia, que pode perder a eficácia com o tempo, os vírus oncolíticos se multiplicam e fortalecem conforme a infecção se estabiliza. Além de atacarem as células cancerígenas, alguns produzem uma reação imunológica contra o tumor.

Hoje, vários vírus com potencial contra o câncer estão em estudos, incluindo dois em testes da fase 3.

Uma forma alterada da vaccinia -o agente viral que ajudou a erradicar a varíola- está sendo testada contra câncer hepático avançado, terceira maior causa global de mortes por câncer. Num recente estudo, a sobrevivência dos pacientes tratados com doses elevadas do vírus, chamado JX-594, chegou a 14 meses, o dobro dos 7 meses dos pacientes tratados com doses baixas.

Um vírus do herpes baseado na descoberta original de Mohr está em testes avançados contra o melanoma; dados iniciais mostraram um índice de 26% de regressão e sobrevivência dos pacientes.

Mulvey agora comanda uma empresa em Baltimore que testa vírus para o combate ao melanoma e ao câncer de bexiga. O maior desafio, disse ele, é convencer os outros de que o novo tratamento "não é ficção científica".

"Felizmente, esse obstáculo está diminuindo", disse.

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