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Austrália revê suas opiniões sobre um símbolo nacional

Por JAMES GORMAN e CHRISTINE KENNEALLY

Há 32 anos, Azaria Chamberlain, com 2 meses de idade, sumiu de um acampamento no sertão australiano e a opinião pública reagiu com descrença e indignação ao ouvir a mãe dizer que um dingo havia levado a criança.

O caso inspirou o filme "Um Grito no Escuro" (1988) e a falsa citação "Um dingo comeu meu bebê!" se popularizou.

É claro que a história ficou tão conhecida porque não se sabe se o dingo levou mesmo o bebê. O drama humano e o enigmático cão selvagem australiano se tornaram indissociáveis. O dingo é um símbolo que pode significar uma coisa para caçadores ou criadores de ovelhas e outra para cientistas e amantes da natureza.

Agora, o caso Chamberlain e os dingos voltaram à baila. Em 24 de fevereiro, terminaram os depoimentos no quarto inquérito sobre a morte de Azaria e o resultado é esperado dentro de dois meses.

Lindy Chamberlain, a mãe de Azaria, foi inicialmente condenada e presa pela morte da filha. Ela só foi inocentada e solta três anos depois, quando o casaco usado por Azaria foi encontrado perto de uma toca de dingos.

Quando Azaria sumiu, acreditava-se que os dingos tivessem medo das pessoas e ataques a humanos eram desconhecidos.

Mas, na década de 1990, incidentes de baixa gravidade começaram a preocupar os administradores da ilha Fraser, uma reserva natural visitada anualmente por centenas de milhares de pessoas. Em 2001, dois dingos mataram um menino de 9 anos.

"Aquilo foi que realmente virou o jogo", disse Adrian Peace, professor honorário de antropologia da Universidade de Queensland, que estuda a mudança de atitude em relação aos dingos.

Os guardas do parque agora matam qualquer dingo da ilha que seja considerado ameaçador ao público.

Os dingos são geralmente classificados como uma subespécie do lobo, o Canis lupus dingo. Eles parecem um cachorro de porte médio, com cerca de 18 kg, geralmente castanhos, com orelhas em pé e cauda espessa.

Eles não apresentam alguns dos sinais físicos de domesticação encontrados em muitas raças caninas, como o latido quando se tornam adultos.

Eles têm uma estrutura de matilha estável, encabeçada por um casal que procria uma vez por ano -os únicos do grupo a reproduzirem.

Bradley Smith, pesquisador associado da Universidade Flinders, em Adelaide, que estuda os dingos, informou por e-mail que experiências aproximam os dingos dos lobos quanto à sua capacidade de resolver problemas coletivamente.

Mas os dingos também compreendem os humanos de uma maneira que os lobos não conseguem (quando as pessoas apontam algo, por exemplo).

Os dingos, escreveu Smith, "parecem um ótimo exemplo de um dos primeiros tipos de 'cães' -não os cães domésticos como conhecemos agora, mas alguma forma de cão primitivo que facilitou o desenvolvimento da relação entre humanos e caninos; pode-se quase dizer que os dingos ficaram congelados no tempo".

Os dingos chegaram à Austrália entre 3.500 e 5.000 anos atrás, provavelmente com navegadores asiáticos, e já estavam pelo menos parcialmente domesticados. Na época, a presença humana na Austrália -sem cães- já durava quase 50 mil anos. Os dingos rapidamente se tornaram parte essencial da vida e das lendas aborígenes.

Foram os nativos australianos que cunharam a expressão em inglês "uma noite de três cachorros" para se referir a uma noite muito fria. Mas aparentemente eles não criavam dingos seletivamente.

Os colonos europeus, que trouxeram ovelhas consigo, mataram os dingos como se fossem pestes e construíram uma cerca de 5.310 km para mantê-los fora do sudeste da Austrália.

O resultado é uma confusão até com o status jurídico dos dingos. Em algumas partes da Austrália, eles são pragas e, em outras, são animais protegidos.

Qualquer que seja o resultado do inquérito dos legistas -embora a ciência agora demonstre a importância ecológica dos dingos-, suas populações estão sob pressão na Austrália inteira.

Arian Wallach, da Universidade James Cook, em Queensland, disse: "Cada população de dingos que eu conheço na Austrália está sendo perseguida".

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