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Crise síria traz esperanças de futuro melhor para curdos

Por J. MICHAEL KENNEDY

KILIS, Turquia-Os curdos da Síria, durante tanto tempo oprimidos pelo governo do ditador Bashar Assad, estão em geral se mantendo afastados do conflito que já dura mais de um ano no país, resguardando suas apostas enquanto observam para ver quem vai levar a melhor.

Assad tem se esforçado muito para mantê-los afastados da luta, pois está ciente de que o apoio dos curdos à oposição poderia ser decisivo.

Ele promete que centenas de milhares de curdos receberão cidadania, algo que a família Assad lhes negou durante quase meio século.

Os curdos têm outras razões para não se envolverem: o movimento oposicionista sírio é composto em grande parte pela Irmandade Muçulmana e por nacionalistas árabes, dois grupos que têm pouca simpatia pelos direitos curdos.

Além disso, os curdos preferem se ater à sua antiga meta de um Estado próprio.

"Os curdos sírios estão basicamente de fora dessa dança", disse Jonathan Randal, autor de um respeitado livro sobre os curdos - maior grupo étnico sem Estado do mundo. Mas um recente relatório da Henry Jackson Society, uma instituição londrina de pesquisas em política exterior, os descreve como uma "minoria decisiva" na revolução síria, cujo apoio ajudaria numa "rápida derrubada do regime de Assad".

Para os curdos, que compõem cerca de 10% da população da Síria, trata-se de um dilema. Se a revolução contra Assad tiver êxito, sua passividade lhes dará pouca influência nos rumos do país. Mas eles também temem que qualquer futuro governo seja muito mais islâmico que o atual governo laico de Assad.

Isso não é surpreendente, dado o histórico de opressão de que o povo curdo é vítima, não só na Síria,mas também na Turquia, no Iraque e no Irã, os quatro países pelos quais se distribui a região curda tradicional, da qual grande parte está em terrenos montanhosos.

Os maus tratos na Síria são recorrentes. Mas a maior agressão ocorreu em 1962, quando 120 mil curdos tiveram sua cidadania negada sob a alegação de não terem nascido na Síria. Hoje, esse número quase dobrou.

Em 1973, Damasco começou a criar um "cinturão árabe" no norte da Síria, confiscando terras dos curdos e concedendo sua propriedade aos árabes.

Em 2004, as forças sírias de segurança usaram munição real após confrontos entre torcedores curdos e árabes numa partida de futebol na cidade de Qamishli, no norte da Síria, matando pelo menos 30 e ferindo mais de 160.

Depois que manifestantes queimaram a sede local do partido Baath e derrubaram uma estátua do ex-presidente Hafez Assad, centenas de curdos foram detidos.

As escolas não podem usar o idioma curdo ou livros nessa língua e celebrações como o Nowruz (Ano-Novo curdo) também passaram muito tempo proibidas.

Mas, como parte dos esforços para agradar aos curdos, Assad prometeu em abril do ano passado -ainda no início da rebelião-que iria conceder cidadania a cerca de 200mil curdos apátridas. Até agora, porém, tal promessa não foi posta em prática.

Michael Weiss, porta-voz da Henry Jackson Society, disse que protestos curdos contra o governo, no começo de 2011, foram os primeiros a alarmarem Assad. "No início, Assad simplesmente pensou que tinha um problema curdo em mãos", afirmou.

Gokhan Bacik, diretor do Centro de Pesquisas Estratégicas do Oriente Médio da Universidade Zirve, em Gaziantep (sudeste da Turquia), disse que os curdos da Síria estão fragmentados entre muitos partidos políticos, o que dificulta a sua unidade em torno de uma só causa.

Acima de tudo, os curdos como um todo não querem ameaçar o sua antiga luta pela criação de um Estado. "Há uma ideia nascente de uma nação curda", afirmou Bacik. "Eles não querem pôr esse processo em risco."

O Conselho Nacional Curdo, um bloco de partidos, abandonou em março uma reunião em Istambul com o Conselho Nacional Sírio, que de certa forma representa a rebelião no exílio. Isso ocorreu porque o grupo sírio, dominado por correntes islâmicas, se recusava a incorporar os direitos dos curdos ao seu discurso.

O movimento curdo diz pleitear reconhecimento constitucional, compensação por seu sofrimento e um governo federal, além da retirada do termo "árabe" do nome oficial do país -República Árabe Síria.

Os curdos da Síria certamente não estão operando sozinhos, pois há envolvimento também dos membros dessa etnia na Turquia e no Iraque. No Iraque, o presidente da semiautônoma região do Curdistão, Masoud Barzani, tem apoiado consistentemente o Conselho Nacional Curdo.

A Turquia, enquanto isso, tenta atuar como interlocutora para o Conselho Nacional Sírio e sobre o papel dos curdos. Mas os curdos continuam muito desconfiados da Turquia, que maltrata a sua própria população curda.

Um coringa nisso tudo é o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), uma milícia bem armada e bem equipada, que foi designada como organização terrorista pelos Estados Unidos. Na Síria, o grupo se aliou ao governo de Assad, que pode usá-lo para alimentar tensões ao longo da fronteira com a Turquia, caso Assad veja essa necessidade.

No passado, a Síria armou e protegeu o PKK na sua longa campanha contra a Turquia. O grupo já ameaçou transformar todas as áreas curdas da região em uma "zona de guerra" se a Turquia cruzar a fronteira para intervir na crise síria.

No caótico bazar desta antiga cidade na fronteira com a Síria, o mercador que vende batom e pó facial numa barraquinha conta a história da cidade síria de Afrin.

Antes que os tumultos começassem, disse ele, não havia escola por lá. "Ela está completamente sob controle dos curdos", disse o homem, que se negou a dizer até mesmo o primeiro nome, temendo represálias. "O governo abriu quatro escolas para eles, então está tranquilo lá. Sei disse porque quatro dos meus filhos moram em Afrin e ligo para eles todo dia."

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