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Muçulmanos em Wall Street equilibram duas culturas

Por KEVIN ROOSE

Vista de certo ângulo, Wall Street pode parecer um monolito -um bando de homens brancos com diplomas da Ivy League e boas conexões familiares. Mas, enquanto o mundo financeiro se adapta a uma maior regulamentação, lucros menores e custos mais rígidos, também experimenta mais diversidade em suas fileiras, incluindo muçulmanos.

Os islâmicos, porém, enfrentam barreiras íngremes. Alguns obstáculos são vestígios de uma era menos tolerante. Mas também se destacam as limitações do próprio islamismo -uma fé cujos princípios, segundo os trabalhadores muçulmanos, muitas vezes parecem se chocar com a cultura às vezes profana de Wall Street.

"Eu sempre sou o único que bebe Diet Coke no happy hour", disse Naiel Iqbal, 27, que trabalha em um fundo hedge em Manhattan, não fuma nem bebe e pratica o jejum no Ramadã. "Na verdade, sou um fanático por comida", diz ele rindo. "Quando o Ramadã terminou, eu dizia: 'Pessoal, vamos comer neste restaurante! Vamos naquele outro!'. Ninguém conhecia esse meu lado."

Os muçulmanos não são os únicos cujos valores podem se chocar com os hábitos de Wall Street. Judeus ortodoxos, cristãos conservadores e outros fiéis que trabalham nas finanças tiveram de adaptar suas crenças a um ambiente em que o dinheiro manda, e não Deus. Mas para muçulmanos que tentam manter os valores da lei islâmica (conhecida como sharia), enquanto galgam a ladeira, o cálculo pode ser confuso.

Para Aisha Jukaku, uma ex-analista no Goldman Sachs, começar nas finanças incluiu desafios adicionais. Jukaku usa um lenço na cabeça, o hijab, desde os 11 anos. Como muitas muçulmanas, ela evita o contato físico com homens que não sejam de sua família (faz exceções para apertos de mão em ambiente empresarial). "Não é algo que eu queira fazer", diz. "Mas esse é o modo americano de fazer negócios."

No Goldman, onde ela trabalhou de 2006 a 2008, desenvolveu uma rotina que lhe permitia preservar suas crenças religiosas enquanto cumpria os deveres profissionais. Acordava antes de o sol nascer e fazia a primeira das cinco orações em seu apartamento em Manhattan, então voltava a dormir até as 8h30, quando saía para trabalhar. No Goldman, ela se vestia de modo mais discreto que a maioria de suas colegas e encontrou um espaço no centro de saúde da empresa onde podia orar durante o dia.

Para muitos muçulmanos nas finanças, essas negociações fazem parte da vida. Ali Akbar, 34, um paquistanês que é diretor da RBC Capital Markets, diz que, embora ele observe o jejum no Ramadã, nem sempre reza cinco vezes por dia e não reza no escritório para não chamar a atenção dos colegas. "Você não pode simplesmente se levantar no meio de um negócio e dizer: 'Preciso passar duas horas na mesquita'", diz Akbar.

Trabalhar nas finanças é simples em um país muçulmano, onde os intervalos para orações são comuns e feriados como Eid al Fitr, que marca o fim do Ramadã, fazem parte do calendário. Mas os banqueiros muçulmanos nos Estados Unidos têm menos recursos. Muitos não têm salas de oração especiais no trabalho e deixar o escritório para ir às rezas de sexta-feira em uma mesquita pode exigir uma troca de favores com um colega.

"Temos um conceito chamado lei da necessidade", disse Rushdi Siddiqui, diretor de finanças islâmicas na Thomson Reuters. "Em um nível, você precisa seguir as leis do país onde vive, sejam leis formais ou leis não escritas."

Talvez o grande empecilho para a maior participação de muçulmanos em Wall Street seja que, de acordo com certas versões, o Corão proíbe os juros. Alguns estudiosos islâmicos interpretaram a proibição para incluir mais das finanças modernas, e um subgênero de transações financeiras que seguem a sharia conhecido como sukuk, tenta vencer essa lacuna. Mas a grande maioria dos negócios em Wall Street não acata a sharia. Por isso, os muçulmanos praticantes em bancos tradicionais muitas vezes são obrigados a modificar seus costumes. Farhan Malik, que já trabalhou no Citigroup, viu sua fé testada no ano passado quando foi solicitado a trabalhar em uma corretagem que envolvia bares britânicos. Malik, que não bebe, decidiu que negociar as ações dos bares violaria preceitos da sua fé. Ele pediu para ser retirado da tarefa.

Para Malik, que hoje trabalha em um banco em Bahrein, a noção de casar a cultura bancária ocidental com as exigências do islamismo parece uma batalha. "Se você vai às orações de sexta-feira, se você não bebe, é como tentar lutar boxe com uma das mãos amarrada nas costas", disse.

Em Wall Street, dizem os muçulmanos, o objetivo maior é ser bom no emprego. "Wall Street é basicamente cega para a religião", disse Siddiqui. "O que lhe importa são os fluxos de negócios, os ativos em carteira." "Você pode adorar Satã. Desde que ganhe dinheiro, eles ficam felizes", disse Malik.

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