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Cada vez mais homens se realizam em empregos femininos

Escolhas profissionais masculinas refletem troca de papéis domésticos

Por SHAILA DEWAN e ROBERT GEBELOFF

HOUSTON - Ao longo da última década, homens americanos de todas as origens começaram a inundar campos como o ensino, a enfermagem e o serviço em restaurantes, tradicionais "feudos" femininos.

"Qualquer coisa que uma mulher consiga fazer um cara também consegue", disse Miguel Alquicira, que terminou o ensino médio numa época de escassez de empregos na construção e indústria, e se tornou auxiliar de dentista.

A tendência surgiu antes da crise de 2008 e parece ser motivada por diversos fatores, como dificuldades financeiras, preocupação com a qualidade de vida e a erosão gradual dos estereótipos de gênero.

Em entrevistas, mais de 20 homens minimizaram as considerações econômicas, dizendo que o estigma associado à escolha de tais ocupações sumiu e que esses trabalhos são atraentes não só por oferecem um emprego estável, mas por trazerem mais satisfação.

"TI é apenas matar vírus e eliminar atolamentos de papel o dia todo", disse Scott Kearney, 43, que experimentou a tecnologia da informação e outros campos antes de virar enfermeiro numa UTI pediátrica na cidade de Houston.

Uma análise do Censo americano feita pelo "New York Times" mostra que, de 2000 a 2010, as profissões ocupadas mais de 70% por mulheres responderam por quase um terço de todo o crescimento de emprego para homens, o dobro da cifra na década anterior.

Isso não significa que os homens estejam tomando o lugar das mulheres -essas mesmas funções representaram quase dois terços do crescimento no emprego feminino. Mas no Texas, por exemplo, o número de homens que são enfermeiros registrados quase dobrou nesse período.

A mudança inclui também trabalhos de baixa remuneração. Em âmbito nacional, o número de homens trabalhando como garçons e caixas de banco aumentou dois terços de 2000 a 2010. O número de homens recepcionistas quase dobrou.

Ainda mais notável é o perfil dos envolvidos. Entre 1970 e 1990, segundo um estudo feito por Mary Gatta, pesquisadora da ONG Wider Opportunities for Women, de Washington, e por Patricia Roos, socióloga da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, os homens nos empregos ditos "do colarinho rosa" tendiam a ser estrangeiros com baixo nível educacional e sem domínio do inglês.

Agora, a tendência atinge homens de praticamente todas as raças e idades, sendo mais de um terço com formação universitária. Na verdade, a mudança é mais pronunciada entre jovens brancos com diploma, como Charles Reed, professor de matemática do ensino básico em Houston.

Reed, 25, pretendia cursar direito após passar dois anos como voluntário em escolas públicas carentes. Mas ele se apaixonou pelo ensino. Diz que a recessão teve pouco a ver com isso, mas acredita que ela, ao limitar as perspectivas dos recém-formados em direito, levou seu pai, advogado, a aceitar mais a situação.

Se a recessão contribui para a ascensão do "trabalho de mulher", uma recuperação econômica pode revertê-la. "Será que os meninos de hoje estão dizendo: 'Quero crescer e virar enfermeiro'?", questionou Heather Boushey, economista-sênior do Centro para o Progresso Americano. "Ou estão dizendo: 'Quero um emprego que seja estável e à prova da recessão'?"

Ex-militar e aluno de enfermagem, Daniel Wilden, 26, disse que passou a respeitar essa carreira quando viu uma enfermeira usar uma ferramenta Leatherman (espécie de canivete suíço) para salvar a vida de um colega dele. "Ela era fera."

Vários homens disseram que seus novos empregos são bem mais difíceis do que eles imaginavam. Mas esses homens podem esperar ter sucesso. Eles ganham mais do que as mulheres mesmo em funções dominadas por elas. E os homens brancos, em particular, quando entram nesses campos, ascendem facilmente a cargos de supervisão, segundo Adia Harvey Wingfield, socióloga da Universidade Estadual da Geórgia.

"Eu odiava meu emprego", disse John Cook, 55, que aproveitou uma modesta herança para largar seu trabalho de consultor de banco de dados, no qual ganhava US$ 150 mil por ano, e fazer um curso de enfermagem.

Seu salário inicial será dois terços menor, mas a consultoria de banco de dados não costuma render abraços como o que Cook recebeu da irmãzinha de um bebê prematuro que ele atendeu. "É tipo: as pessoas são pagas para fazer esse tipo de coisa?", disse Cook, com os olhos marejados ao lembrar o episódio.

Vários homens citaram as mesmas razões que as mulheres para procurar empregos "do colarinho rosa": menos estresse e mais tempo em casa.

Na Escola Primária John G. Osborne, Adrian Ortiz, 42, disse em tom de brincadeira ser um dos poucos mexicanos que ganhavam mais no seu país de origem, onde era advogado, do que nos EUA, onde cuida de uma classe bilíngue do jardim da infância. "Agora", disse ele, "minha prioridade é a família".

Estudos mostram que os homens estão assumindo mais tarefas domésticas, e Betsey Stevenson, economista do trabalho na Universidade da Pensilvânia, disse que isso naturalmente se reflete nas escolhas profissionais masculinas. "Tendemos a estudar esses padrões do que acontece na família e do que acontece no trabalho como separados, mas eles estão muito interligados", afirmou ela. "Então, conforme as atitudes na família mudaram, as atitudes em relação ao trabalho também mudaram."

Numa sala da Faculdade Comunitária de Houston, Dexter Rodriguez, 35, disse que seu emprego de suporte tecnológico não estava ameaçado pela crise econômica. Não obstante, contou, sua família foi para uma casa menor, trocou os carros novos por usados e começou a viver da poupança, para que Rodriguez pudesse se preparar para uma carreira que ele achava mais interessante. "Eu me coloquei na recessão", disse ele, "porque queria ir para a escola de enfermagem".

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