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Inteligência/Roger Cohen

A vulnerabilidade de Obama

Não há lugar melhor do que Roma, com suas estátuas e balaustradas, para evocar o fato de que grandes potências vêm e vão. Os faunos e semideuses fitam uma cidade de beleza infinita, mas com escasso significado político contemporâneo. Jovens com barba por fazer atiram bitucas de cigarro no Fórum, como que dizendo que tudo isso já vai tarde.

Um amigo me contou sobre uma recente reunião com arquitetos indianos que descreveram um condomínio de luxo construído por eles no qual os compradores ganhavam uma viagem à Itália para escolher os lustres. Assim termina o império: como uma loja de lustres para potências nascentes.

Então talvez fosse inevitável que meus pensamentos se voltassem para o grande e perturbado "quase-império" da nossa época, os Estados Unidos, onde haverá uma eleição presidencial dentro de cinco meses.

Há quatro anos, a esperança, ainda que ilusória, estava no ar. Hoje, o clima azedou. A classe média está ansiosa, e as guerras culturais campeiam. "Sim, ainda podemos" não vai funcionar como slogan.

Os banqueiros são alvo de muito ódio. Mas, em retrospecto, é preciso dizer que a engenhosidade dos bancos ao conceber meios para emprestar enormes quantias a dezenas de milhões de pessoas incapazes de quitar dívidas ocultou por muitos anos o impacto do declínio ocidental. Você se importa menos com as perdas salariais se um financiamento imobiliário amortece as coisas. A festa acabou em 2008, logo antes da eleição de Barack Obama. Ele passou a maior parte dos últimos quatro anos tentando tirar a América do buraco.

Os resultados foram ambíguos. O desemprego continua acima de 8% -não é manhã na América, não mesmo. Ronald Reagan derrotou Jimmy Carter em 1980 fazendo uma pergunta simples aos americanos: vocês estão melhores hoje do que há quatro anos? Mitt Romney inevitavelmente fará essa pergunta.

Obama é respeitado e admirado por muitos americanos. Na minha opinião, essa admiração foi amplamente merecida por sua competência equilibrada, por sua conclusão efetiva da guerra ao terrorismo, pelo implacável desmembramento da Al Qaeda, por seu apoio à Primavera Árabe e por suas tentativas obstinadas, ainda que hesitantes, de reavivar a economia dos EUA. Mas ele não é amado. Cerebral e distante, não tocou o povo americano, como Reagan e Bill Clinton conseguiram de formas diferentes. Isso o torna vulnerável.

Como em 2004, quando George W. Bush deixou a Europa perplexa ao conseguir um segundo mandato, a Europa faz suposições precipitadas sobre a eleição deste ano. Obama é popular entre os europeus, que por isso têm certeza do seu triunfo. O que lhes escapa é uma América com a qual estão menos familiarizados: um reduto de evangélicos conservadores, alimentados por uma dieta da Fox News retratando Obama como um socialista europeu inclinado a impor uma ordem social laica e estatista, na qual homossexuais podem se casar.

Quando a frustração é disseminada, bodes expiatórios são necessários. Obama se encaixa nesse papel para uma parcela significativa dos americanos. "Tudo menos Obama" é o lema do movimento conservador. É claro que esse mesmo movimento tem reservas diferentes acerca de Romney, candidato republicano, um mórmon que governou o liberalíssimo Estado de Massachusetts e nele ofereceu atendimento médico para todos, num programa muito semelhante ao que foi implantado por Obama, e que Romney promete revogar se for eleito.

O dilema de Romney agora será o de definir até onde ele deve cultivar a direita para garantir o voto evangélico. Suspeito que ele irá para o centro, contando com o sentimento "tudo menos Obama" para atrair conservadores que o veem com relutância. John McCain em 2008 tentou reforçar as coisas à direita, com resultados desastrosos. Sarah Palin não alçou voo.

Romney sabe que eleições americanas ainda são ganhas no centro, apesar de todos os latidos vindos de ambos os flancos.

Vai ser muito apertado. Um negro contra um mórmon. Os EUA serão testados quanto à força relativa dos seus preconceitos num momento de declínio mal disfarçado e de raiva disseminada. Os europeus precisam acordar para o fato de que Obama não é o vencedor garantido.

Ah, sim, esqueci de mencionar as surpresas.

A última eleição virou com a resposta grotescamente incompetente de McCain ao colapso de setembro de 2008.

Desta vez, o colapso pode vir da Europa, com sabor grego. Se a zona do euro se fraturar e a economia global despencar, a América voltará para o buraco, e Obama irá junto.

E a Itália também. Mas ela quase não liga, pois se entregou à contemplação da beleza e há muito tempo abriu mão do ônus de comandar o mundo.

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