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Peru enfrenta as cicatrizes de sua guerra civil

Por WILLIAM NEUMAN

LIMA, Peru - Durante a campanha militar que ameaçou derrubar o governo peruano, o grupo guerrilheiro maoísta Sendero Luminoso aterrorizou o Peru com assassinatos, atentados a bomba, decapitações e massacres.

Por isso, quando em 2011 os guerrilheiros começaram a coletar assinaturas para criar um partido político que participasse do processo democrático (que antes eles tentavam destruir), os peruanos ficaram revoltados.

Entre os objetivos dos guerrilheiros estava a anistia dos crimes cometidos durante a guerra, que durou dos anos 1980 até 2000. Ela permitiria a libertação dos líderes presos do Sendero Luminoso, incluindo o fundador do grupo, Abimael Guzmán Reynoso.

Mais de uma década depois do término do conflito, a tentativa dos rebeldes de entrar na política reabriu feridas no fervente debate nacional sobre o que a guerra significou e como seguir em frente.

O que alarmou muitos peruanos em relação ao esforço do Sendero Luminoso de se reinventar foi que muitas das centenas de milhares de assinaturas que os ex-guerrilheiros conseguiram são de estudantes colegiais que são jovens demais para se lembrarem do turbilhão da guerra.

Indo direto ao ponto, uma estação de TV transmitiu entrevistas com jovens que não sabiam identificar Guzmán em uma fotografia.

"Isso mostrou que muitos jovens não sabem nada sobre o que aconteceu", disse Fernando Carvallo, diretor nacional do Lugar da Memória, um museu de três andares em construção em Lima sobre o conflito.

Pelo menos uma facção do Sendero Luminoso continua ativa em uma selva remota no centro do Peru, onde suas atividades se concentram no tráfico de drogas. Ela recentemente derrubou um helicóptero militar e matou vários soldados.

Parte da dificuldade é que os dois lados, o Sendero Luminoso e as forças do governo, foram responsáveis por terríveis abusos.

A maioria das discussões sobre como rememorar a guerra no Peru começou com um relatório de 2003 de uma Comissão da Verdade patrocinada pelo governo, que estimou que mais de 69 mil pessoas morreram no conflito. A comissão concluiu que cerca da metade das mortes foi causada pelo Sendero Luminoso e quase um terço por forças do governo. As demais foram atribuídas a vários grupos armados, incluindo forças paramilitares, outro grupo rebelde e patrulhas de autodefesa das aldeias.

Alfredo Crespo, advogado de Guzmán, disse que os números foram inflados e que o governo foi responsável pela maior parte do banho de sangue. Ele disse que Guzmán, preso em 1992 em prisão perpétua, já pagou sua dívida e deve ser libertado.

"Chegou o momento de suprimir a dor e pensar no futuro da sociedade peruana", disse Crespo.

"É preciso curar as feridas e começar um processo de reconciliação nacional."

Essas palavras são chocantes para muitos peruanos. O grupo guerrilheiro foi famoso por matar moradores de aldeias.

Nos anos 1980, La Hoyada, uma área nas bordas da cidade de Ayacucho, era um local de despejo para os corpos de pessoas detidas e torturadas em um quartel militar próximo.

Investigadores exumaram os restos de mais de cem vítimas de La Hoyada, mas elas não foram identificadas.

Outras 92 foram exumadas em Putis, onde tropas do governo massacraram pelo menos 123 aldeões em 1984.

Adelina García, 47, estava em La Hoyada recentemente. Seu sogro foi morto pelo Sendero Luminoso. Em dezembro de 1983, ela foi espancada até desmaiar por soldados do governo, que levaram seu marido. Ela nunca mais o viu e acredita que ele foi morto e seu corpo jogado em La Hoyada.

"Essas plantas aqui sabem onde ele está", disse García, olhando para os pés de babosa e arbustos que ocupam o terreno. "Se elas tivessem boca, me diriam onde ele foi enterrado."

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