Índice geral New York Times
New York Times
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Ensaio - Allan Kozinn

Música nova procura tecnologias do passado

Criações eletrônicas podem ter uma vida útil curta demais

A compositora Kaija Saariaho escreve profusamente para formações convencionais, mas também compõe música eletrônica. Obras recentemente apresentadas em Nova York combinavam vozes ao vivo, gravadas e eletronicamente alteradas, além de vídeos de Jean-Baptiste Barrière.

Há muita tecnologia nisso, e vários laptops Apple reluziam na mesa de mixagem do auditório, executando tudo.

Jeremy Geffen, diretor de planejamento artístico do Carnegie Hall, entrevistava Saariaho naquela noite e comentou que certa vez visitou o antigo Centro de Música Eletrônica de Columbia-Princeton, em Nova York, onde Milton Babbitt, Otto Luening e outros pioneiros da música eletrônica compuseram no sintetizador Mark 2 da RCA, que ocupava uma sala inteira e era o que havia de mais avançado em 1958, quando foi montado.

Qualquer um que já tenha tocado música eletrônica poderia ver aonde Geffen pretendia chegar. Ele queria saber como Saariaho lidava com a mudança tecnológica que, com alarmante frequência, torna arcaicas as ferramentas de um compositor de música eletrônica.

"Isso é um dos meus piores pesadelos", disse ela. Várias obras no seu programa são de 1980 e 1990. A tecnologia por trás delas precisam ser revisitada antes que as peças sejam tocadas.

Compositores e instrumentistas da dita "música nova": bem-vindos ao mundo da música antiga. Devotos do cravo, da viola de gamba, das flautas de madeira, das trompas sem válvula e de instrumentos de corda montados de forma diferente dos atuais compartilham da sua dor, mas só até certo ponto.

Os especialistas em música da Idade Média até o início da era romântica têm a seu dispor toda uma indústria de apoio: fabricantes de instrumentos que usam técnicas antigas para reproduzir os timbres e qualidades táteis originais daqueles teclados, cordas, instrumentos de percussão, madeiras e metais.

Os paralelos não são exatos, é claro. Tudo se move atualmente com uma rapidez muito maior do que, digamos, em 1800, e os instrumentos (incluindo agora os computadores e programas para a criação de músicas) que hoje empurram os limites das possibilidades podem muito bem estar no lixo daqui a três anos. Seja em decorrência da criatividade e da inovação, ou da ganância corporativa -a obsolescência programada campeia-, a moral da história é a mesma: você precisa se virar para manter a sua música executável.

Às vezes, quando a tecnologia muda, você não pode substituí-la por uma aproximação digital. O "Poème Symphonique" para cem metrônomos (1962), de Ligeti, deveria ser a peça mais fácil de executar no repertório dele. Mas experimente arrumar cem metrônomos à corda hoje em dia. Eu tinha um. Troquei por um modelo a pilha, que mantinha o ritmo com mais precisão, e agora uso um aplicativo do iPhone que pode ser programado para manter a mais ínfima gradação de tempo que eu precisar.

O conjunto estudantil Face the Music, do Centro Kaufman, de Nova York, decidiu executar o "Poème Symphonique" em 2008. O Kaufman tem duas escolas de música, então seria de se supor que metrônomos fossem abundantes. Mas os alunos usam versões modernosas, e o grupo precisou ir atrás de uma locadora que teve a previdência de estocar metrônomos antigos.

Se eu fosse um fabricante de instrumentos de época procurando novas ideias, eu compraria e recondicionaria velhos metrônomos, órgãos Farfisa, módulos Moog e Buchla, computadores Atari e qualquer geração de Mac que encontrasse. Eu estocaria peças de reposição e arquivaria diagramas de equipamentos e códigos de software. Provavelmente não reconstruiria o Mark 2, mas sabe-se lá qual é o limite?

Algum dia, especialistas em música dos séculos 20 e 21 podem concluir que sons sampleados da tecnologia antiga não bastam. E alguém precisaria estar pronto para fornecer a coisa real.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.