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A saída de Pinochet revisitada

POR MANOHLA DARGIS

CANNES - Quando perguntaram ao escritor chileno Alejandro Zambra (nascido em 1975) se ele não se incomodava de ver seu país sendo associado ao regime de Augusto Pinochet (1973-90), durante o qual milhares de pessoas foram mortas ou desapareceram, ele disse: "Cresci numa ditadura, disse minhas primeiras palavras numa ditadura, li meus primeiros livros numa ditadura".

No final de maio, o cineasta chileno Pablo Larraín (nascido em 1976) foi aplaudido de pé no Festival de Cannes por seu novo filme, "No". Dias depois, perguntei a ele se partilhava dos comentários de Zambra. Ele deu de ombros e disse: "É claro".

"Há algo, talvez, que seja diferente", acrescentou. "Eu nunca fui exposto à violência. Nunca fui exposto à pobreza. Então minha vida durante a ditadura foi confortável e completamente fora de qualquer perigo."

Oriundo de uma família de políticos (seu pai é senador "de direita"), ele frequentou escolas privadas e foi poupado do pior. Talvez por isso tenha retratado cinematograficamente esse período. "Quando percebi o que acontecia no país, eu tinha 15, 16 anos. Senti que havia perdido algo que muita gente havia experimentado: medo e dor."

"No" revisita o momento em que Pinochet foi tirado do poder pela campanha do Não, uma coalizão que embalava a resistência à ditadura em comerciais com jingles, cores do arco-íris e amplos sorrisos -uma estratégia brilhante para derrotar um legado de pesadelo.

Em outubro de 1988, um referendo nacional exigido pela Constituição foi realizado para determinar se Pinochet deveria permanecer no poder por mais oito anos. O "não" teve 55% dos votos, e Pinochet caiu.

Larraín mostra como a campanha do Não foi conceitualizada e produzida. Gael García Bernal interpreta René Saavedra, um bem-sucedido publicitário que se vincula à campanha do "No", para desgosto do seu patrão conservador, Luis Guzmán (Alfredo Castro). Castro também atuou em dois longas anteriores de Larraín -"Tony Manero" (2008) e "Post Mortem" (2010)-, que compõem com "No" uma trilogia não planejada sobre a ditadura.

Em 25 de maio, "No" recebeu o principal prêmio da Quinzena dos Realizadores em Cannes.

Filme feio para uma época feia, "No" tem um aspecto sujo, com poucos detalhes ou beleza pictórica. Porém, sua antiestética é pertinente. Ele foi rodado com um par de câmeras de vídeo U-matic reconstruídas, e com isso Larraín funde os limites entre a ficção e os clipes da campanha real do Não, que aparecem entremeados no filme.

A compreensão do sentido daqueles anos de ditadura, o que ele descreve como uma "verdade invisível", permanece. "Após fazer três filmes eu não entendi, então para mim chega."

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