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Sistema de punição disciplinar atemoriza elite política da China

Por ANDREW JACOBS

PEQUIM - Ser membro do Partido Comunista chinês encerra várias vantagens. Mas, quando os membros do partido são flagrados desobedecendo as regras -ou simplesmente quando desagradam um superior-, eles podem ser arrastados para as malhas de uma máquina disciplinar opaca, de estilo soviético, conhecida como "shuanggui", que inclui tortura física e interrogatórios brutais.

É exatamente isso o que parece ter acontecido com Bo Xilai, que foi um dos políticos mais carismáticos e ambiciosos da China. Bo não é visto em público desde meados de maio, quando foi destituído de seu cargo de chefe do partido no município de Chongqing, no sudoeste da China. Mais tarde, foi acusado de "violações disciplinares" e afastado do Politburo.

Poucos que são arrastados para dentro do sistema emergem dele ilesos, quando emergem. Nos últimos dez anos, centenas de funcionários cometeram suicídio, segundo relatos na mídia noticiosa estatal, ou morreram em circunstâncias misteriosas durante meses de confinamento em locais desconhecidos. Especialistas dizem que, quando os interrogadores obtêm uma confissão satisfatória, os detidos muitas vezes são destituídos de seus bens e da condição de membros do partido. Casos selecionados são entregues a promotores do governo para serem submetidos a julgamentos sumários e fechados.

"A simples palavra 'shuanggui' basta para fazer funcionários do governo tremerem de medo", comentou Ding Xikui, um conhecido advogado de defesa em Pequim.

A "shuanggui" tem suas origens no sistema de justiça imperial e foi empregado pelo Exército Vermelho durante a guerra civil para punir soldados que desobedecessem às ordens. Algumas diretrizes lançadas pelo partido já restringiram alguns dos excessos da "shuanggui", cujo principal objetivo é arrancar confissões dos acusados de violar regras partidárias, na maioria dos casos devido à corrupção financeira.

Flora Sapio, acadêmica visitante na Universidade Chinesa de Hong Kong, disse que o sigilo visa proteger o público de detalhes que poderiam prejudicar a imagem do partido e limitar quaisquer danos secundários a autoridades em cargos superiores. "É como se a pessoa tivesse caído num buraco negro legal", disse Sapio. "Uma vez que ela é chamada, quase nunca sai dali em liberdade", diz.

A Fundação Dui Hua, organização de San Francisco que promove mudanças no sistema penitenciário chinês, diz que afogamentos simulados, queimaduras com cigarros e espancamentos são táticas comuns para fazer os detentos falarem. Um antigo funcionário do setor de propaganda política da província de Zhejiang foi sujeito a interrogatórios uma década atrás. Ele contou que passou quase dois meses confinado a uma série de quartos de hotel. Foi espancado com uma antena de TV e impedido de dormir durante 12 dias, até começar a sofrer alucinações. Os vidros ficavam cobertos por papel escuro, e uma lâmpada vermelha ficava acesa 24 horas por dia. "No final, eu estava tão exausto que concordei com todas as acusações, apesar de serem falsas", disse ele, que pediu anonimato.

Existem poucos estudos oficiais sobre esse sistema de detenção, mas, de acordo com a agência de notícias oficial, Xinhua, mais de 880 mil membros do partido foram punidos entre 2003 e 2008. Bo Xilai fez uso abundante do sistema em Chongqing durante a repressão que moveu contra criminosos e supostos adversários políticos, levando a milhares de detenções e várias execuções.

Embora considere perturbadoras as confissões obtidas após coerção, He Jiahong, diretor e docente da Faculdade de direito da Universidade Renmin, em Pequim, disse que a "shuanggui" é uma ferramenta vital no combate à corrupção. Isso porque ela opera à parte dos tribunais locais -facilmente manipulados pelos funcionários partidários que controlam suas verbas. "Embora critiquemos a shuanggui por ela estar fora do contexto legal, é um sistema bastante eficaz", disse He. "Como reza o ditado, tudo o que precisam é de uma folha de papel, uma caneta e suas bocas."

Em vista do ódio da população pela corrupção em círculos oficiais, é difícil encontrar muita compaixão popular pelas pessoas presas no sistema.

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