Índice geral New York Times
New York Times
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Michael Kimmelman

CRÍTICA DE ARQUITETURA

Com esperança, Medellín se reconstrói

MEDELLÍN, Colômbia - Ultimamente, quando você pede a arquitetos e urbanistas uma prova do poder da arquitetura pública e dos espaços públicos para refazer o destino de uma cidade, eles apontam para Medellín.

Há 20 anos, esta era a cidade de Pablo Escobar, com uma taxa anual de homicídios que chegou a 381 por 100 mil habitantes.

Mas a segunda maior cidade da Colômbia virou um centro médico e empresarial com 3,5 milhões de habitantes e um florescente setor turístico. Seu orgulho cívico foi inflado por novas praças e prédios públicos e por um sistema eficiente e surpreendentemente limpo de metrô e teleféricos. Unindo bairros ricos e pobres e promovendo o desenvolvimento privado, o metrô é para os moradores de Medellín um símbolo partilhado de renovação democrática.

A prefeitura também instalou recentemente uma escada rolante de 396 metros, reduzindo a cinco minutos o que antes era uma brutal subida equivalente a 30 andares para os 12 mil moradores de uma favela íngreme.

A taxa de homicídios de Medellín, embora não seja baixa, é agora inferior a 60 por 100 mil habitantes.

A arquitetura, sozinha, obviamente não responde por essa queda. Aqui, a arquitetura funciona como parte de uma ecologia social e econômica.

O que distingue Medellín é a força particular da sua cultura de urbanismo. O prefeito Aníbal Gaviria passou uma hora me descrevendo seus sonhos de enterrar uma autoestrada congestionada que corta o meio da cidade, construir um bonde elétrico passando pelos morros, acrescentar um cinturão verde de prédios públicos ao longo da linha de bonde, reabilitar o rio Medellín e adensar o centro urbano. Sonhos de melhorias inteligentes, com espírito público.

As pessoas em Medellín estavam cautelosas com o futuro e a visão da arquitetura como um fim em si mesmo. Ao mesmo tempo, elas salientaram os benefícios econômicos e sociais que a arquitetura e os novos espaços públicos podem criar.

Medellín conta com um orgulho paroquial quase feroz, o legado de uma arquitetura modernista que remonta à década de 1930, um quadro de jovens arquitetos que está sendo agressivamente encorajado e promovido e com o compromisso de empresas locais para melhorar o bem-estar social.

As EPM (Empresas Públicas de Medellín) têm a obrigação constitucional de oferecer água tratada e eletricidade até mesmo a casas construídas em favelas clandestinas.

Mais do que isso, seu lucro (cerca de US$ 450 milhões por ano) vai para a construção de novas escolas, praças, metrô e parques. Uma das mais belas praças do centro de Medellín foi doada pelas EPM. E, por cima das favelas do bairro Nordeste, as EPM bancaram um parque florestal, ligado ao bairro por um teleférico.

Federico Restrepo foi diretor das EPM. "Assumimos uma visão de que tudo está interligado -educação, cultura, bibliotecas, segurança e espaços públicos", disse ele, observando que em 2002 menos de 20% dos alunos das escolas públicas locais obtinham notas iguais ou maiores que a média nacional nos exames, número que saltou para mais de 80% em 2009.

"Obviamente, não foi só porque construímos e reformamos escolas", disse. "É preciso trabalhar na qualidade do ensino e da nutrição em conjunto com a arquitetura. Mas a questão mais ampla é que a meta do governo deveria ser oferecer a ricos e pobres a mesma qualidade de educação, transporte e arquitetura pública. Desse jeito, você amplia a sensação de propriedade."

Echeverri me encontrou em uma manhã no terminal do teleférico para o trajeto até as favelas do Nordeste. Passamos sobre um mar de casas ilegais e no que antes era um bairro perigoso demais até para as patrulhas policiais. Saltamos do teleférico e caminhamos entre restaurantes, escolas e lojas de roupas, chegando a praças movimentadas e então à Biblioteca España. Emblema mais evidente da nova Medellín, a biblioteca consiste em três blocos pretos interligados e pendurados a 460 metros de altura sobre o vale. Ela foi projetada pelo arquiteto Giancarlo Mazzanti, de Bogotá.

"Uma semente para plantar a confiança", foi como Echeverri descreveu o bairro depois da sua revitalização. "A principal transformação física é a do espaço público, mas isso é só o começo", alertou ele, gesticulando na direção da extensa pobreza que está logo atrás.

Andalucía, outra favela do bairro Nordeste, ganhou um complexo esportivo, uma escola, novas calçadas, prédios de apartamento de médio porte e uma ponte sobre um córrego. Lá conheci Mateo Gómez, 20, indo trabalhar no centro da cidade. O teleférico reduziu seu tempo de deslocamento de duas horas para uma, contou.

"A Biblioteca España mudou nossa concepção sobre nós mesmos", acrescentou. "Antes, sentíamos um estigma. Mas ainda sentimos falta de espaços culturais. A biblioteca fecha cedo demais e a situação ainda é muito incerta."

A nova arquitetura pode ser vista também no Jardim Botânico e em seus arredores. Echeverri projetou uma praça e um impressionante museu de ciências. O jardim foi reformado, ganhando um precioso pavilhão circular na sua entrada.

A treliça de madeira que cobre a Orquideorama se ergue como uma copa 20 metros acima de um pátio. Suas dez estruturas hexagonais, recolhendo as águas pluviais e entrelaçadas como favos, abrigam uma coleção de orquídeas e borboletários.

Mas o edifício mais notável é um centro cultural no bairro de Moravia, vizinho a um aterro sanitário. Essa foi uma das últimas obras do mestre colombiano Rogelio Salmona, um projeto quase mouro, cheio de modéstia e transparências.

As autoridades vêm transferindo os moradores do inseguro lixão vizinho para novas moradias na periferia, o que é compreensível, embora seja um caso evidente de planejamento urbano impensado, pois a mudança isola os moradores dos seus empregos e do seu antigo bairro.

Minha impressão foi a de que seria politicamente mais fácil propor novos planos para enterrar autoestradas e construir bondes nos morros do que destrinchar antigos problemas. A prefeitura ainda precisa estar vigilante quando se trata das políticas habitacionais.

Encontrei jovens arquitetos no Museu de Arte Moderna.

"Ainda não refletimos em termos de habitação social, de bairros mistos", disse Verónica Ortiz Murcia, sócia do escritório Arquitectura y Espacio Urbano.

"Há entre os jovens arquitetos um sentimento geral de que houve uma oportunidade perdida aqui", disse outra arquiteta, Catalina Ortiz.

Medellín tem feito grandes avanços, usando a arquitetura de ponta como catalisadora. Mas aqui os jovens arquitetos pressionam por mais. Eles veem como partes integrantes do seu trabalho tanto a inovação formal quanto o papel humanitário do ativismo arquitetônico.

Numa cidade onde as pessoas já levam a sério a meta de maior igualdade, isso prenuncia que a mudança irá continuar.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.