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Jovem guia turístico entra para a revolução síria

Por ANNE BARNARD

BEIRUTE, Líbano - Para os turistas que ele levava para passear a camelo ao entardecer, Abu Zeid parecia ser o homem mais livre do mundo.

Ele era um jovem beduíno que trabalhava com seu camelo Casanova entre as ruínas da antiga Palmira, um dos principais destinos turísticos no deserto da Síria.

Sua maior queixa contra o governo na época eram as propinas cobradas por policiais.

Aí seus amigos ficaram surpresos quando ele lhes contou que havia aderido à rebelião contra o presidente Bashar Assad.

A transformação do despreocupado guia turístico em combatente revolucionário ilustra o impacto da rebelião sobre o cotidiano de milhares de pessoas e a ambivalência que muitos sírios sentem diante de um movimento que já provocou tanto caos.

Abu Zeid tem apenas uma ligeira noção de onde tudo isso vai dar. Ele não sabe se aderir à revolta foi o momento de maior orgulho da sua vida ou se foi sua ruína -ou as duas coisas.

Este relato se baseia em entrevistas com Abu Zeid, com um colega combatente e com duas mulheres que o conhecem há anos. Uma delas é a namorada de Abu Zeid, uma francesa que trabalhou na Síria há alguns anos.

Abu Zeid calcula ter 23 anos. Ele cresceu numa tenda com oito irmãos.

Começou a vender cartões-postais aos 4 anos de idade, arrumou um camelo aos 11 e aprendeu sozinho noções básicas de cinco idiomas diferentes.

Ele jejuava no Ramadã, mas a religião não era central na sua vida. O Estado laico era conveniente para ele como guia turístico e frequentador ocasional dos bares da capital síria, Damasco.

Em 2008, a família Assad visitou Palmira. Abu Zeid rejeitou o pagamento por um passeio a camelo. Ele pediu ao presidente que protegesse os guias das autoridades corruptas; Assad lhe pediu para escrever uma carta.

Quando a rebelião começou, no início de 2011, a namorada de Abu Zeid se lembra de ter ficado "feliz por ele não ligar".

Mas no dia 10 de abril um vizinho de Abu Zeid, recruta do Exército, foi morto em Daraa. A vizinhança ouviu dizer que ele foi executado por se negar a atirar em manifestantes.

Em agosto, soldados abriram fogo contra um protesto em Tadmur, matando várias pessoas, inclusive uma jovem de 17 anos, atingida na varanda da sua casa.

Abu Zeid e cerca de 20 amigos começaram a se armar e acamparam num oásis. "Minha mãe me disse para deixar a resistência", admitiu Abu Zeid. "Eu disse: 'Preciso ajudar'."

Em 20 de fevereiro, após um violento bombardeio contra Homs, os jovens atacaram uma sede da polícia, matando vários oficiais. "Perdemos a cabeça", afirmou.

Mas Abu Zeid se opôs quando os combatentes em Homs pediram que ele queimasse carros de alauítas, o ramo muçulmano do qual Assad faz parte.

"Não sou contra as pessoas, só contra a opressão", disse.

Abu Zeid e cinco outros seguiram para Damasco.

Lá ele sequestrou um informante das forças de Assad, o interrogou e o surrou -ele não manifestou remorso por ter imitado as táticas do governo-, e o homem prometeu parar de colaborar com o Estado.

O grupo se escondeu no elegante bairro de Mezzeh, mas um incidente no elevador denunciou sua presença.

Em 19 de março, agentes do governo apareceram. Abu Zeid havia saído e dois outros fugiram. Os que ainda estavam no apartamento foram mortos ou capturados após um tiroteio.

Dias depois, ele fugiu da Síria. Num recente encontro, ele e outro combatente falaram pouco sobre democracia e disseram que agiram por solidariedade aos mortos e "por dignidade".

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