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Quando a comida vira identidade

Por JESSICA BRUDER

Quando Joanne Heyman, dona de uma consultoria em Nova York, organizou um jantar de negócios para duas dúzias de pessoas, ela começou a receber recados dos convidados avisando que eles eram vegetarianos, ou veganos, ou que não comiam glúten.

"A distinção não é que as pessoas tenham dietas restritas", disse ela. "É a sua atitude perante aqueles que atendem às suas necessidades alimentares."

Cada vez mais pessoas parecem se impor limites na alimentação, escolhendo por conta própria o que descartar. De onde vêm todos esses hábitos alimentares? Ao contrário das dietas da moda de antigamente, muitos estilos alimentares contemporâneos visam a afirmação própria, em vez de livrar você da sua barriga.

Os comedores restritivos de hoje são propensos a declarações de afirmação da identidade, na linha do "sou sem glúten". Os consumidores parecem estar ajustando seus apetites para refletirem independência e caráter moral.

"É uma forma alternativa de encontrar uma identidade em um lugar onde a identidade é cada vez mais incerta", disse Richard Wilk, diretor do doutorado em estudos alimentares da Universidade de Indiana. "Há coisas demais da nossa vida completamente fora do nosso controle."

Meredith Yayanos, cofundadora da revista alternativa "Coilhouse", adapta sua dieta para influenciar o seu humor. "Adoro a ideia de que está rolando uma coisa de misturar e combinar", disse ela.

Yayanos primeiro abandonou o açúcar, o glúten e os carboidratos por conselho de uma amiga, após sofrer um assalto à mão armada, o que a obrigou a lidar com ataques de pânico. "Em 48 horas, parecia que uma gaze havia sido tirada do meu cérebro", lembrou ela.

Mas Fabio Parasecoli, coordenador de estudos alimentares na New School, em Nova York, teme que as dietas díspares matem o prazer das refeições partilhadas. "Para mim, a comida é muito social", disse. "É difícil quando opções alimentares impedem as pessoas de participarem plenamente na vida social."

Meg Geldart, acrobata circense em Portland, Oregon, costuma fazer comida para até 20 amigos divididos entre onívoros, avessos a glúten, avessos a laticínios, avessos a soja, vegetarianos, veganos, diabéticos ou alérgicos.

"Ficou complicado", disse Geldart. Mas, com um planejamento cuidadoso (e com muita procura por receitas e cruzamento das dietas) ela consegue com que, numa determinada refeição, todos tenham algo para comer.

Mas a paciência com as restrições pode estar se esgotando. No site do semanário "Portland Mercury", leitores anônimos expressaram sua irritação. "Nos restaurantes, peço glúten extra em tudo", escreveu um deles.

Alguns restaurantes se negam a alterar um prato para atender às restrições, alegando que mesmo pequenas alterações podem atrasar uma cozinha movimentada e destruir receitas cuidadosamente calibradas. No ano passado, o Gjelina, de Los Angeles, virou notícia por se recusar a eliminar a cobertura de uma salada de truta defumada para Victoria Beckham, que estava grávida e jantava com o famoso chef Gordon Ramsey. Os dois foram embora.

As dietas restritivas também podem ter caráter político. "O complexo agrícola governamental-industrial me ofende", disse o detetive Daniel Kraus, do Condado Clackamas, no Oregon. "Sou um republicano [admirador do independente] Ron Paul."

"Quando vou à mercearia, fico maluco por não poder comprar molho para churrasco, porque o componente número 1 é xarope de milho de alta frutose."

Josh Ozersky, fundador da Meatopia, bacanal carnívoro anual em New York, argumentou que os estilos alimentares não tem a ver só com a saúde, pois seria culpa do "crescente infantilismo e narcisismo" dos americanos.

Será que Ozersky planeja acomodar a diversidade alimentar no seu próximo evento? "No Meatopia tudo é carne", disse ele. "Quem não gostar pode ir para o 'vegetopia'."

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